No palco de Burn Burn Burn, Catarina Rôlo Salgueiro e Isabel Costa, do coletivo Os Possessos, juntam-se pela primeira vez para criar um espetáculo. Inspirado em Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, aborda a censura, a reescrita de livros e uma sociedade inflamada e polarizada. Entre palavras e sons, aproximamo-nos do universo do romance distópico publicado em 1953, onde livros são proibidos e “bombeiros” queimam qualquer obra encontrada.

Quando se pensa nos limites do corpo e da dramaturgia contemporânea, o nome de Marlene Monteiro Freitas surge de imediato. O seu trabalho marcado por humor, intensidade e experimentalismo, transforma a dança em linguagem poética e política, desafiando o que julgamos conhecer. Nesta temporada, regressa à Culturgest com NÔT, inspirado nas Mil e Uma Noites, e Canine Jaunatre 3, em colaboração com o Ballet de l’Opéra de Lyon, além da conversa Danças com Vida Própria. Recuperamos a sua entrevista com Cristina Peres no programa Uma Coleção para Amanhã, dos Estúdios Vítor Córdon para ouvirmos a própria Marlene sobre os seus processos de trabalho.

A água não é apenas recurso: é entidade viva, força dentro e fora de nós. No ciclo Água – Ecossistemas em Coexistência (outubro a dezembro, Culturgest), reúnem-se vozes sobre ecossistemas aquáticos e as suas ligações a inteligências artificiais, imaginando futuros regenerativos e éticas de cuidado coletivo. E que dizer das águas subterrâneas, silenciosas e ignoradas? A reportagem do jornal Público, Água Subterrâneas (22 maio 2022) lembrou que são reservas vitais contra a escassez. Deixamo-nos atravessar por essa paisagem que torna o invisível visível.

Oito caminham sem destino, fugindo de uma catástrofe anunciada. No centro de Cantar, de Francisco Thiago Cavalcanti & um cavalo disse mamãe, o caminho é resistência: um circo sem lona, artistas que cantam como cigarras, em ato de sobrevivência. No programa apresentado por Tárik de Souza no Canal Brasil, Gal Costa mistura músicas, imagens e uma conversa íntima sobre a sua trajetória. Entre memórias e canções, recorda parcerias, a coragem de enfrentar a ditadura, o regresso aos Doces Bárbaros e a censura no disco Índia.

No palco, o corpo dança como árvore, memória e raiz que se estende entre passado e futuro. Em umuko, de Dorothée Munyaneza, artistas com raízes em Kigali tecem uma narrativa de identidade e resistência, onde o movimento é linguagem de cura e coletivo. Muitas palavras surgem em kinyarwanda, língua materna que torna cada gesto mais íntimo e carregado de memória. Também há movimento nas palavras do poeta ruandês Fred Mfuranzima, que em African Dreamer evoca a esperança de um continente que se reinventa, onde cicatrizes não impedem o desabrochar do futuro.

A entrar no inverno, ouvimos a música como fragmentos de um mosaico em vibrações que desvendam paisagens subtis. É para esses lados que nos leva o concerto de Fennesz & Lillevan. Como se flutuássemos entre mundos, eis um convite para habitar esse limiar de forma coletiva e sensorial. Fennesz costura ritmos elétricos e melodias etéreas, enquanto Lillevan faz do grande ecrã a superfície onde emergem imagens fluidas e nebulosas. Agora, deixamo-nos levar pelas sonoridades de Loved And The Framed Insects, em que o som se abre como matéria viva.

O concerto de Matthew Herbert e Daniel Blaufuks, Naquele Dia em Lisboa – Versão Longa revisita imagens inéditas de Lisboa em 1940, projetadas em grande ecrã, enquanto a música de Herbert se desenrola ao vivo, expandindo o tempo e transformando cada frame em experiência sonora. Deste diálogo entre som e imagem, fomos à procura de quem viveu essa Lisboa e encontrámos o projeto ILHAS, do Arquivo dos Diários de Lisboa, que transforma depoimentos íntimos em instalação sonora e visual. Vamos ouvir alguns fragmentos de vida de quem habitou e habita Lisboa. Diários, que nos aproximam dessa Lisboa dos anos 40 do século XX.

No coração da 2ª edição do LAFF - Lisbon Arab Film Festival, encontra-se uma obra que desmonta distâncias e aproxima-nos de quem vive o conflito. From Ground Zero, uma antologia visceral conduzida sob a orientação de Rashid Masharawi, convida 22 cineastas de Gaza a retratar a sua vida sob bombardeios, apagões e deslocamentos. Estes filmes curtos partilham fragmentos íntimos de esperança, criatividade e resistência — narrativas que insistem em existir, mesmo nos lugares consumidos pelo desespero. Saoussen Khalifa e João Gonçalves, diretores artísticos do LAFF, partilham a importância deste testemunho vivo e urgente sobre a realidade palestiniana.

Da janela em Londres, quando o sono não chega, a artista Sara Graça grava o que a noite lhe devolve: pássaros e aviões a cruzarem o céu. No silêncio em que quase toda a cidade dorme, ou procura adormecer, estes sons compõem um estado de alerta noturno. É o espaço urbano como ecossistema: o natural e o artificial a chocarem, a coexistirem. A diferença de escala entre o bater das asas de um pássaro e o ruído de um avião é brutal, e até quase violenta, mas também, para Sara, estranhamente bela. Nesta faixa, o que escutamos é o limiar entre descanso e vigília, entre a intimidade e o voyeurismo. O som do amanhecer lembra-nos que há sempre vida em movimento, mesmo quando tudo parece suspenso.

No espetáculo A Beleza de Matar Fascistas, a experiência vai além do que se vê no palco: cada gesto, cada nuance e cada cena são interpretados e descritos para todos os públicos. Este é apenas um dos muitos espetáculos audiodescritos na Culturgest e reflete o compromisso em oferecer sessões acessíveis, promovendo uma experiência cultural inclusiva. Convidámos a audiodescritora Anaísa Raquel a partilhar connosco um excerto do guião desta peça e a explicar o seu trabalho para ficarmos a conhecer por dentro o que está por detrás de uma audiodescrição.

Julie, de Philippe Boesmans, revisita a peça de Strindberg numa ópera em que o desejo, o poder e a violência íntima se entrelaçam num jogo sem retorno. Entre a música intensa e a dramaturgia de uma paixão que implode, a ópera expõe as fragilidades humanas e o limite das convenções sociais. Para aprofundar este universo, ouvimos Catarina Molder, diretora artística do Operafest, que nos conduz pela história da ópera e pela forma como esta arte, tantas vezes desconhecida do grande público, continua a reinventar-se e a interpelar o presente… e ficar a conhecer melhor a dramaturgia musical de Boesmans.

Reza a lenda que o skate nasceu num dia sem ondas e quando surfistas, na Califórnia, tiveram de ir para o asfalto. Desde então, o skate tornou-se uma coreografia do espaço público, com movimentos vertiginosos que fazem parte do quotidiano de muitas cidades e lugares. No espetáculo “Skatepark”, a coreógrafa Mette Ingvartsen explora a velocidade e energia do movimento sobre rodas, revelando a persistência e desafios enfrentados por skaters e performers. A propósito ouvimos Laís Reis que pertence ao coletivo feminino Herwheels, que dá visibilidade à comunidade feminina e LGBTQIA+ no skate em Portugal. O que têm as skaters a dizer?

Quando o pai de Tiago Rodrigues adoeceu, a voluntária Teresa visitava-o frequentemente no hospital. O pai sempre odiou iogurte, mas, no hospital, passou a comer porque fazia parte da sua dieta. Um dia, o pai pediu um caderno e uma caneta para escrever as suas memórias. Após a sua morte, Tiago encontrou apenas rabiscos. A partir desse caderno, e da voluntária Teresa, Tiago escreveu "No Yogurt for the Dead", sobre uma voluntária e um homem prestes a morrer. Nos ensaios do espetáculo, Beatriz Brás lê uma reportagem de Rogério Rodrigues sobre Teresa Torga, enquanto Manuela Azevedo canta "Teresa Torga", de Zeca Afonso, numa versão para espetáculo de Hélder Gonçalves, tocada ao vivo por Hélder Gonçalves.

Ao longo de cinco décadas, Meredith Monk desafiou os limites da música vocal, da performance e do teatro. Nesta temporada, recebemos Monk, acompanhada por John Hollenbeck, num concerto intimista… já esgotado! Aproveitamos, ainda assim, para revisitar "Turtle Dreams", single de 1983, que mistura minimalismo vocal e música experimental, transportando quem ouve para um estado meditativo. Este single e filme refletem a busca contínua de Monk em dissolver as fronteiras entre movimento, som e imagem. Escutemos…

O termo "fascista" tem sido usado de forma, muitas vezes, abrangente e imprecisa, para descrever desde uma pessoa autoritária até um governo que impõe restrições de saúde pública... incongruências que inquietam Mão Morta. O que realmente significa falar de fascismo, hoje? Quais são as suas características, os seus perigos explícitos e implícitos, e como se relacionam com as democracias liberais atuais? Essas questões são o foco da reflexão proposta por Adolfo Luxúria Canibal e Miguel Pedro, dos Mão Morta, que, com a companhia de Luís Trindade e Sílvia Correia, se propõem aprofundar a discussão sobre o fascismo no debate “Do Fascismo à Extrema-direita e Vice-versa”. Convidámos Adolfo Luxúria Canibal para mergulhar no livro “O Eterno Retorno do Fascismo”, de Rob Riemen, e ler um excerto. Vamos ouvir.

O que mais dizer sobre Carlos Paredes, a sua música e a sua importância? No seu centenário, uma mão-cheia de salas e instituições reúnem-se para celebrar o legado do mestre Paredes, convidando Norberto Lobo, um dos guitarristas portugueses mais importantes e inventivos, e Ben Chasny, norte-americano e nome essencial do livre pensamento da guitarra, também através dos seus Six Organs of Admittance, para criarem um novo universo. Vamos recordar o próprio Carlos Paredes, numa entrevista dada em 1987 para a RDP - Rádio Comercial, realizada pelo jornalista Jorge Trabulo Marques.

Já pensaram que estamos continuamente a tentar entender algo que alguns dos maiores nomes da comunidade científica dizem ser quase impossível de compreender? Falamos da mecânica quântica… – um mundo tão estranho e contraintuitivo que até Richard Feynman, Nobel da Física, admitiu que, quem diz entender a mecânica quântica, na verdade, não a entende. Para explorar esse universo, a Culturgest organiza o ciclo de conferências “Mundo Quântico: Estranhamente Familiar”. Yasser Omar, doutorado em Física pela Universidade de Oxford e professor e investigador no Instituto Superior Técnico, participa na conferência “A Revolução das Tecnologias Quânticas” e antes mesmo de o recebermos na Culturgest ouvimo-lo a falar da internet quântica.

É impossível ouvir falar em “Café Müller”, e não nos lembrarmos imediatamente de Pina Bausch? O espetáculo inspirou uma imensa quantidade de artistas e agora é a vez de Gaya de Medeiros Em “Cafezinho”, Gaya de Medeiros propõe uma reflexão profunda sobre o tempo, a finitude e aquilo que desejamos que sobreviva. Com um elenco multigeracional, entre os 23 e os 61 anos, o espetáculo vai além das ideias espelhadas em “Café Müller”, de Pina Bausch, explorando novas formas de reconstrução e transformação. O que se ouve e se vê neste espetáculo de dança não é uma repetição, mas uma reinvenção que convida a olhar o tempo de frente. Quais são as sonoridades deste espetáculo?

O que acontece quando alguém nasce? Raquel André e Tonan Quito perguntaram a várias pessoas sobre as suas memórias de trabalhos de parto e nascimentos. E o que encontraram foram histórias de vida, morte, família, rituais e até de políticas de natalidade. A pesquisa faz parte do processo de criação do espetáculo “Começar Tudo Outra Vez”, que mistura sentimentos, acontecimentos históricos e geográficos que se cruzam com a utopia de uma nova vida a começar. Durante uma residência artística em Pedrogão do Pranto, na Casa do Terreiro, Raquel André gravou vários testemunhos a que chamou “As Mulheres que Guardavam as Águas”.

Jean Painlevé e Geneviève Hamon formaram uma dupla que uniu a ciência e a arte. Painlevé, cineasta e pioneiro na utilização do cinema para captar a vida marinha e outros fenómenos naturais, encontrou em Geneviève Hamon uma colaboração fundamental, no campo técnico e nas suas ideias visuais. Hamon contribuiu muito com a sua sensibilidade estética, ajudando a transformar os filmes científicos de Painlevé em peças cinematográficas poéticas. Podemos ver o resultado desse trabalho colaborativo na exposição Jean Painlevé disponível na Galeria 2, da Cultugest. Ouvimos a peculiar história do camarão-de-rocha (Palemon Vulgaris) e da sua troca de pele, ou seja, da sua casca, no filme “Histórias de Camarões (Histoires des crevettes)” que Jean Paulevé realizou com Geneviève Hamon.