A enfermeira americana que criou o primeiro serviço de cuidados paliativos dizia que o morrer se parece com um nascimento ao contrário.
Três semanas antes do fim, o corpo começa a se afastar do mundo: recusa o alimento, prefere o silêncio, dorme mais do que fala. É como se a alma fosse se recolhendo para o deserto — o mesmo deserto de que fala o profeta Oséias: “Eu vou seduzi-la, levando-a para o deserto e falando-lhe ao coração.”
A morte, então, não é um castigo. É um chamado. É o momento em que Deus nos toma pela mão e nos conduz para um lugar onde não há mais máscaras, nem ruído, nem distração — só o coração e Ele.
É ali que o amor deixa de ser promessa e se torna encontro.
Há quem tema a morte como se ela fosse o fim, e há quem a ignore como se nunca fosse chegar. Mas para o cristão, a morte é um ato de confiança: o último “sim” que damos Àquele que sempre nos amou.
É o salto da fé para os braços de um Pai.
Oséias descreve essa entrega com palavras de casamento: “Eu me casarei contigo para sempre, com amor e carinho.”
Morrer, à luz da fé, é o momento em que a alma, cansada das ilusões, volta a chamar Deus de “meu marido” — não mais “meu Baal”. Não busca mais o que Ele pode dar, mas o próprio Deus que dá.
São Josemaria escreveu:
“Quando eu Te vir pela primeira vez, Senhor, esconderei minha fronte em Teu regaço e chorarei como uma criança.”
É isso o que acontece com quem morre em paz: o choro já não é de medo, mas de ternura. O olhar que um dia evitou o de Deus por vergonha, agora o procura por amor.
E então tudo se cumpre: a fé se transforma em visão, a esperança se faz posse, e o amor — aquele amor que começou tímido, entre quedas e recomeços — se torna eterno.
📌 “Eu te desposarei para sempre, conforme a justiça e o direito, com amor e carinho.” (Os 2,19)_________📚 Referências
Na véspera do Natal de 1915, Albert Einstein recebeu uma carta vinda da lama das trincheiras da Primeira Guerra Mundial. O remetente era Karl Schwarzschild — físico, astrônomo, soldado. Dentro, rabiscos quase ilegíveis, escritos entre explosões e febres. Entre aquelas linhas, Einstein encontrou algo extraordinário: a primeira solução exata para suas equações da relatividade geral.
Mas o que ele não sabia era que o autor já havia morrido.Morrido com o corpo queimado por gás tóxico e a alma aflita pela própria descoberta: a “singularidade” — o que hoje chamamos de *buraco negro*. Um ponto onde o tempo se curva sobre si mesmo, o passado e o futuro se tocam e até a luz parece prisioneira.
A morte se parece um pouco com isso: um limite invisível, o medo de ser tragado pela escuridão. “Venit nox” — vem a noite, dizia Jesus. E, de fato, a noite vem para todos nós. Mas a fé transforma essa mesma frase.
Porque Cristo desceu até o buraco negro da morte — e explodiu ali dentro uma luz mais forte que mil sóis.
A Ressurreição foi a explosão divina que quebrou a gravidade da morte, abrindo uma passagem para a eternidade.O túmulo vazio é a prova de que a noite não é o fim — é apenas o instante que antecede o amanhecer.
E é por isso que os cristãos, desde os tempos antigos, aprenderam a *zombar da morte. A véspera de Todos os Santos — o antigo *All Hallows’ Eve — nasceu como um riso sagrado diante da escuridão.
Não se trata de negar o mal, mas de proclamá-lo vencido. De afirmar que os demônios foram derrotados, que o medo foi acorrentado, e que o amor é o único poder que permanece.
Por isso, diante da morte, o cristão não se desespera: ele espera.
Sabe que “vem a noite”, mas pede com fé: “Mane nobiscum, Domine — fica conosco, Senhor, porque o dia declina.”
E escuta, em resposta, a voz do próprio Cristo: “Aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.”📌 A morte não é o fim. É apenas a porta por onde a eternidade começa.
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📚 Referências
Ela morava em uma mansão silenciosa do Paquistão, cercada por servos e jardins de jasmim. Seu nome era *Bilquis Sheikh*, e até então sua vida parecia perfeita — poder, respeito, tradição.Mas, à noite, os sonhos a perseguiam. Sonhos sobre um Deus que a chamava pelo nome.
Um dia, uma freira cansada e sorridente segurou suas mãos e disse algo impensável:
“Fale com Ele… como se fosse seu Pai.”
Aquilo a desarmou. Ninguém jamais tinha falado de Deus assim. No Islã que ela conhecia, o Criador era grande demais, distante demais. Mas naquela tarde, entre lágrimas e coragem, Bilquis se ajoelhou e sussurrou a palavra proibida: “Pai.”E o mundo dela nunca mais foi o mesmo.
A conversão de Bilquis é o retrato da parábola do tesouro escondido (Mt 13,44). O Reino dos Céus é algo que precisa ser buscado, encontrado — e comprado com tudo o que temos. É uma aventura pessoal, silenciosa e transformadora.O homem que acha o tesouro o esconde de novo, cheio de alegria, e vende tudo o que tem para comprá-lo.É assim também com quem encontra Deus: primeiro o vislumbre, depois a entrega.
Encontrar o tesouro é descobrir que o caminho da fé é mais íntimo que doutrina e mais arriscado que certeza. É seguir um chamado que ninguém mais escuta, vender os falsos confortos e correr o risco de perder tudo — para, enfim, ganhar o essencial.
E como Bilquis, cada um de nós precisa passar por essa travessia: da crença à confiança, da distância ao abraço, do “Deus lá em cima” ao “Pai que me ouve”.O tesouro continua escondido, sim, mas quem já o viu nunca mais consegue viver sem buscá-lo.
📌 “Alguém encontra um tesouro escondido num campo. Cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.” (Mt 13,44)
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📚 Referências
A mesa estava posta. Pães, vinho, frutas secas, o murmúrio dos convidados — e um silêncio desconfortável. O fariseu Simão havia convidado Jesus para jantar, um gesto de cortesia, talvez até de curiosidade. Mas o olhar dele era calculado, distante, como quem mantém uma certa reserva para não comprometer a própria reputação.
Foi então que uma mulher entrou. Ninguém a esperava, e todos sabiam quem ela era. Uma pecadora. Deveria ser expulsa imediatamente — mas ela não foi. Permaneceu de joelhos, chorando aos pés de Cristo, lavando-os com lágrimas, enxugando-os com os cabelos e derramando perfume.Simão se irrita com a cena; Jesus a acolhe. Ele percebe o gesto de amor escondido na delicadeza de uma mulher que sabe amar com gestos concretos — e ensina que há uma forma de amor chamada urbanidade: o bom gosto da caridade, a ternura em pequenos detalhes.
Ser urbano é amar com atenção. É servir a mesa e esperar o outro se servir antes. É oferecer um copo d’água antes de falar de si. É lembrar um aniversário, ouvir com paciência, cuidar de um pequeno detalhe que ninguém notaria — mas que aquece um coração.
A urbanidade nasce da caridade, mas se expressa na forma humana do amor: nos gestos, no tom da voz, na maneira de olhar e de cuidar.Jesus, ao receber o carinho daquela mulher, nos mostra que a delicadeza também é uma força espiritual — e que até as boas maneiras podem ser santas quando nascem de um coração que ama.
Em um mundo onde a grosseria se confunde com sinceridade, a virtude da urbanidade é uma revolução silenciosa. Ela transforma o convívio, salva a convivência, devolve humanidade à fé.
E lembra que, entre o ruído e o descuido, o verdadeiro amor se manifesta não só nas grandes renúncias, mas nas pequenas gentilezas.
📌 “Os muitos pecados dela foram perdoados, porque ela muito amou.” (Lc 7,47)
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📚 Referências
O palco era pequeno, o público, anônimo. Mas Bono Vox cantava como se o mundo inteiro dependesse daquela voz.
A música era Bad, composta para um amigo mergulhado no vício. “Into the night, through the rain, through the flame…” — versos que falam de uma travessia, da chuva e do fogo, da noite para o dia. O caminho da purificação.
Há momentos em que a vida parece fazer o mesmo conosco: atravessa-nos com a chuva fria da dor e depois nos faz passar pelo fogo que queima o orgulho, o apego, o medo. É assim que Deus nos purifica — não para nos castigar, mas para libertar.
A água do batismo, o fogo do Espírito, o deserto do coração. Cada prova é uma etapa desse mesmo processo: lavar o corpo, depois purificar o espírito. O vício, a idolatria, o orgulho — tudo aquilo que ocupa o lugar de Deus em nós precisa ser arrancado pela raiz. Não é um castigo, é um ato de amor.
A purificação é o oposto da anestesia espiritual. É o momento em que Deus cutuca a nossa ferida, não para ferir mais, mas para curar.
São João da Cruz dizia que há duas purificações: a dos sentidos e a do espírito. A primeira é quando abrimos mão do prazer fácil, a segunda é quando deixamos que Ele queime o orgulho que escondemos até de nós mesmos.
Pedro, que prometeu nunca abandonar o Senhor, precisou chorar amargamente para se tornar o pastor que sustentaria a Igreja. E cada lágrima, cada queda, cada noite escura pode ser o fogo que nos devolve o ouro escondido sob a fuligem.
Purificar-se é aprender a ver o sofrimento como o lapidador do amor. É atravessar a noite escura guiado apenas pela chama do coração.
E quando a aurora enfim chegar, perceber que, por trás da chuva e do fogo, Deus nos conduzia o tempo todo — até o dia, até a luz.
📌 “Criai em mim, Senhor, um coração puro” (Sl 51,12)
📚 Referências
Parábola do rico e Lázaro (Lc 16,19-31).
Mt 5,8 – “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.”
Rm 8,15 – “Não recebestes um espírito de escravidão, mas o Espírito de filhos.”
Hb 10,22 – “Aproximemo-nos com o coração purificado de toda má consciência.”
Bad — U2.
Subida ao Mone Carmelo – São João da Cruz.
Caminho Espiritual – São João da Cruz.
A Nação Dopamina – Anna Lembke.
Conversas cruciais – E. Gregory et al.
Guerra e Paz – Liev Tolstói.
Sulco, São Josemaria Escrivá, nº 714.
Naquele convés que afundava no frio do Atlântico, os músicos do Titanic tocaram até o fim. A última melodia foi Amazing Grace — composta por um homem que, cego pela ambição e pelo pecado, reencontrou a luz em meio a uma tempestade. “Estava perdido, e fui encontrado. Era cego, e agora vejo.”
Essa mesma súplica ecoa nas palavras de Bartimeu, o cego que clamava: “Senhor, que eu veja!” E tornou-se também a oração que guiou São Josemaria por dez anos, até que os papéis dispersos da sua vida se uniram em uma iluminação definitiva. O pedido que parecia sem resposta foi, na hora certa, transformado em missão.
Ver além do que os olhos enxergam — isso é a visão sobrenatural. É perceber que as realidades humanas, tão banais à primeira vista, são cheias de valor eterno. Como uma árvore que mergulha suas raízes na terra, ergue o tronco ao céu e se abre em frutos, assim também a alma aprende a conectar passado e futuro, o humano e o divino, o pequeno e o eterno.
Sem essa visão, a vida se fragmenta em pedaços soltos, como equações sem sentido. Com ela, cada detalhe — um encontro, uma palavra, um sofrimento — se transforma em linha que aponta para Deus.
Nossa Senhora, a Mulher que sabia “juntar as coisas no coração”, nos ensina a viver desse modo: acolher cada realidade com olhos iluminados pela graça, até ver nela não apenas o que é, mas o que Deus faz dela.
📌 Peçamos a graça de aprender a enxergar assim: com raízes firmes na fé, o tronco erguido ao céu e ramos cheios de frutos que revelem o amor de Deus em tudo.
📚 Referências
Gn 2,9; Gn 3,22; Ap 22,2 – A árvore da vida.
Mc 10, 46-52 – Bartimeu, o cego que clama: “Senhor, que eu veja.”
Lc 2,19 – Maria “guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração.”
Amazing Grace – John Newton.
São Josemaria Escrivá, Caminho, ponto 266.
Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes 43.
Bilquis Sheikh, Atrevi-me a Chamar-lhe Pai.
“Esse é o nosso destino na terra: lutar por amor até o último instante.”
A frase poderia ser saída de um épico, mas ela fala da vida real. Como Nhô Augusto, em A hora e a vez de Augusto Matraga, que morre lutando, ou como os soldados que enfrentam batalhas sabendo que não há ensaio geral — só vida ou morte. É exatamente isso que acontece também em nossa alma: não estamos em um treinamento, mas em guerra de verdade.
O combate espiritual é radicalmente sério. Está em jogo a nossa vida eterna. São Paulo descreveu isso com clareza: “Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé.” E é esse combate que se trava contra três inimigos antigos: a carne, o mundo e o demônio. A carne, com suas fraquezas e vícios que nos puxam para baixo. O mundo, quando se apresenta como tentação e engano. E o inimigo invisível, que sopra ideias sedutoras para nos afastar da verdade.
Mas não lutamos desarmados. Como Churchill em Dunquerque reuniu barcos de todo tipo para salvar milhares, também nós devemos usar todos os meios: sacramentos, oração, penitência, boas amizades, estratégias práticas. Não se trata de “jogo limpo”: trata-se de reunir tudo o que pode nos manter firmes e vivos.
E não lutamos sozinhos. O Apocalipse nos mostra Miguel e seus anjos combatendo o Dragão. E mostra também uma Mulher vestida de sol, a Virgem Maria, de pé, esmagando a cabeça da serpente. É ela quem nos cobre, é ela quem garante que, mesmo em meio à guerra, não estamos abandonados.
📌 Que a nossa vida seja como a de um soldado fiel, que cai de pé, lutando até o fim, com a certeza de que o amor é a vitória definitiva.
📚 Referências gerais
S. João Cassiano, Sobre os oito pensamentos de malícia.
J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis.
Eiji Yoshikawa, Musashi.
Filme: À prova de fogo.
📖 Referências Bíblicas
Jó 7,1 – “A vida do homem sobre a terra é um combate.”
2Tm 4,7 – “Combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé.”
Rm 8,13 – “Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis.”
Ef 6,12 – “Nossa luta não é contra homens, mas contra os espíritos malignos...”
Ap 12 – A Mulher vestida de sol e a batalha de Miguel contra o Dragão.
Ao cair no chão, sangrando e com o corpo moído, Nhô Augusto — o Matraga de Guimarães Rosa — parecia acabado. Mas foi justamente ali, na fraqueza, que ele se levantou para a maior luta da sua vida: domar a própria fúria. Durante anos, segurou por dentro o vulcão da ira, até que um dia, no confronto final, deixou a besta sair. E, paradoxalmente, foi assim que entrou no Céu.
Jacó também lutou, mas de outro modo. Homem avesso a brigas, acabou enfrentando um anjo à beira do Jaboc. Ferido, mancando, recebeu um novo nome: Israel. Ambos, cada um à sua maneira, mostram que até a ira pode ser transformada.
A ira não é só pecado. Como ensinam os santos e confirmam até os psicólogos, ela é uma paixão humana, uma energia vital. Pode nos perder, sim, mas também pode nos salvar — quando direcionada para o bem. Cristo, manso como o Cordeiro, também foi o Leão que expulsou os vendilhões do Templo. A mesma força que destrói pode purificar.
O segredo está em não sufocar nem deixar-se dominar, mas dar lugar à ira justa: expressar, corrigir, agir. A raiva pode ser alarme de que algo precisa mudar. Pode ser motor para uma decisão firme. Pode ser coragem para enfrentar o que evitamos há tempo demais.
Nossa Senhora, forte e decidida, correu às pressas para ajudar Isabel e intercedeu em Caná quando faltou vinho. Ela nos mostra que até a energia da ira, bem orientada, pode se transformar em zelo, em amor ativo, em força para lutar pelo bem.
📌 Que a nossa ira não seja chama que devora, mas fogo que aquece, ilumina e impulsiona para Deus.
📚 Referências
- A hora e a vez de Augusto Matraga, conto do livro Sagarana, Guimarães Rosa.
- Livro sobre a ira citado: Good Anger, Sam Parker.
- Entrevista com o escritor desse livro: aom.is/goodanger.
- Filme: Luz fantasma (Ghostlight).
- Duas palestras de TED Talk sobre o bom uso da ira:
Quem nunca se sentiu brigando com Deus?
Há momentos da vida em que o sofrimento nos encurrala, os planos desmoronam, e a oração parece mais uma luta do que um consolo. Foi exatamente isso que Jacó viveu às margens do rio Jaboc.
Naquela noite, ele lutou com um homem misterioso até o amanhecer. Não foi uma batalha qualquer: era o encontro com sua própria verdade, com seu passado de enganos, com sua necessidade de mudança. Ferido, mancando, sem defesas, Jacó finalmente reconheceu quem era. E foi justamente ali, no limite da dor, que recebeu a bênção de um novo nome: Israel — aquele que luta com Deus.
A cruz em nossa vida é esse vale de Jaboc. Não é Deus se divertindo com o nosso sofrimento, mas a graça escondida nas lutas que nos purificam. A dor não é um castigo inútil, mas pode se tornar bênção quando atravessada com fé. Como a água amarga de Mara, que se tornou doce ao toque de um madeiro, também as nossas feridas podem ser transformadas pelo poder da cruz.
E, como no Calvário, Maria permanece de pé. A espada transpassa sua alma, mas ela não cede. Sua firmeza nos ensina que é possível estar ferido e, ainda assim, permanecer. Ao lado dela, descobrimos que até as nossas brigas com Deus podem ser caminhos de graça e de amor.
Quando brigamos com Deus, nós que saímos transformados.
📚 Sobre Jacó e o anjo
Bento XVI, Audiência de 25/05/11.
https://www.vatican.va/content/benedi...
Jordan Peterson, We Who Wrestle with God: Perceptions of the Divine.
📚 Outras referências
Pema Chödrön, Practicing peace in times of war.
Gn 32, 23-33 – A luta de Jacó no vau de Jaboc.
Jo 16, 33 – “Tende coragem, eu venci o mundo.”
Mt 15, 21-28 – A mulher cananeia.
São Josemaria Escrivá, Caminho, ponto 208.
Santo Gregório de Nissa, A vida de Moisés
Um piloto brasileiro cai em território inimigo durante a Segunda Guerra. Machucado e sozinho, sabe que seguir as instruções à risca significaria ser capturado. Então, veste-se como camponês, finge ser um italiano perdido pela guerra, improvisa histórias, aceita caronas perigosas e até pede cigarros a soldados nazistas. Com astúcia, coragem e fé, percorre 350 km até encontrar a liberdade.
Essa história mostra um segredo antigo que os santos e filósofos já conheciam: nem sempre a vida se vence pela força bruta ou pela obediência cega. Existe uma virtude chamada epiquéia, que nos ensina a buscar o espírito da lei acima da sua letra, a enxergar além do óbvio, a encontrar soluções criativas sem trair a verdade.
Jesus mesmo recordou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado.” A fidelidade a Deus não está em cumprir regras friamente, mas em respeitar sua finalidade mais profunda: o amor, a justiça, a misericórdia.
A epiquéia é o caminho da eficácia, quando aprendemos que nem sempre a linha reta é o trajeto mais sábio; é o caminho da liberdade, quando não nos deixamos aprisionar pelo vitimismo ou pelo comodismo; e é o caminho do respeito, quando sabemos honrar as intenções maiores de Deus sem nos perder em detalhes menores.
No fundo, trata-se da coragem de viver a fé com inteligência, docilidade e criatividade. Não se trata de trapaça, mas de sabedoria que nasce da confiança em Deus. Porque, como a água que atravessa montanhas, o coração aberto à graça sempre encontra passagem.
📚 Referências utilizadas
Sobre a história do Tenente Danilo Moura:
• A incrível história do Tenente Danilo Moura https://www.jambock.com.br/v7/index.p...
Henrique Elfes, “Elogio do jeitinho”:
http://www.dicta.com.br/edicoes/edica...
Bíblia Sagrada (Mt 23, 23; Mc 2, 27; parábola do administrador infiel – Lc 16).
Na Primeira Guerra Mundial, um jovem soldado estava paralisado pelo medo no meio do campo de batalha. Balas cortavam o ar, bombas explodiam ao redor, e ele não conseguia dar um passo. Foi então que o capelão, Pe. Willie Doyle, saiu de sua trincheira, sentou-se ao lado dele e tirou um terço do bolso. Entre o barulho das armas, começaram a rezar. Terminada a última Ave-Maria, aquele rapaz se levantou com coragem renovada, seguiu em frente e sobreviveu à guerra. Anos depois, pediu para ser enterrado com aquele mesmo terço.
Esse é o poder da esportividade: a coragem de não desistir do jogo mesmo quando parece perdido. Não se trata de não cair — porque todos caímos — mas de levantar-se sempre, de recomeçar quantas vezes for preciso, com a serenidade de quem entende que até as derrotas fazem parte do caminho.
São Josemaria chamava isso de viver a “tragédia da manteiga”: pequenos dramas cotidianos que parecem enormes na hora, mas que, vistos com humor e leveza, se tornam ocasião de crescer. É nesse espírito que São Paulo dizia: “Sete vezes cai o justo, mas se levanta” (Pr 24,16).
A esportividade também é desejo ardente de vitória. O atleta não corre para perder, mas para conquistar o prêmio. E nós também não buscamos uma coroa passageira, mas uma coroa eterna (1Cor 9,25). Por isso, precisamos de treino, perseverança e, sobretudo, humildade para reconhecer limites e corrigir rumos. Como dizia Santo Agostinho: “Melhor andar devagar no caminho certo do que correr fora dele”.
E se alguém encarnou até o fim essa atitude foi Maria. Nenhum jogo lhe foi fácil: desde a fuga para o Egito até o Calvário, sua vida foi marcada por desafios. Mas ela nunca desistiu, nunca abandonou o campo. Por isso recebeu a coroa prometida, aquela que o Apocalipse descreve com doze estrelas.
📚 Referências usadas na meditação
Video sobre Fr. Willie Doyle: • The Irish Army Chaplain Who Suffered For P...
Homilía do Papa Leão XIV por ocasião do Jubileu dos esportes:https://www.vatican.va/content/leo-xi...
Carol Dweck, Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso.
Caminho, de São Josemaria Escrivá (C.205; C.249)
Filipenses 3, 13-14
Provérbios 24, 16
1 Coríntios 9, 24-27
2 Timóteo 4, 7-8
Davi estava escondido no fundo da caverna. O coração pulsava forte — não pelo medo de Saul, mas pela decisão que teria que tomar. O rei, seu inimigo, tinha entrado sozinho e estava vulnerável. Os soldados de Davi sussurraram: “É a tua chance, mata-o!”. Mas, em vez de cravar a espada, Davi apenas cortou um pedaço do manto do rei. Quando Saul saiu, Davi mostrou o tecido rasgado e disse: “Eu nunca levantarei a minha mão contra o ungido do Senhor”.
É nesse gesto que a verdadeira nobreza se revela. Não é bravata, não é malandragem, não é esperteza que só busca vantagem imediata. A nobreza é a grandeza de quem sabe se elevar acima do instinto, dominar-se e escolher o que é justo, mesmo quando seria mais fácil escolher o atalho.
C. S. Lewis escreveu: “Rimo-nos da honra e ficamos chocados ao descobrir traidores entre nós”. Vivemos em uma cultura que valoriza a esperteza, mas é a nobreza que sustenta o mundo. Não a nobreza da pompa, mas a de quem enfrenta a vida de peito aberto, sem fugir, sem se esconder, sem mascarar a própria responsabilidade.
Ser nobre é ter magnanimidade para doar-se sem medir os custos, é permanecer de pé diante da vergonha e da dificuldade, é cultivar a urbanidade nas pequenas coisas — até no trânsito, onde a pressa costuma roubar a paz.
E se buscamos um rosto onde a nobreza se fez carne, basta olhar para Maria, a mulher mais nobre entre todas, que permaneceu de pé junto à cruz. Sua firmeza silenciosa se transformou em realeza eterna, coroada como Rainha do Céu e da Terra.
📚 Referências usadas na meditação
1 Samuel 24; 26 (Davi poupando Saul), Salmo 113,7ss, 1 Pedro 2,9.
C. S. Lewis – A abolição do homem.
Hino litúrgico “Crux fidelis”.
A noite era densa, sem lua, sem estrelas. A água gelada cortava como lâminas, e cada braçada parecia inútil. No meio daquela escuridão viscosa, um ponto de luz surgiu ao longe. Parecia um farol… mas estava de costas. Quando me aproximei, percebi: não era um farol. Era um homem com uma lamparina, caminhando ao passo de Deus.
A cada passo, sua luz apagava rastros de lama — inclusive os meus. A chama que carregava não era dele: vinha de uma fonte antiga, que aquecia e iluminava sem ferir. Segui-o… e, sem perceber, a luz também se acendeu no meu peito.
Assim é a vida dos santos: não um clarão que cega, mas uma presença firme que orienta. São Josemaria tinha esse dom — não de tirar as pessoas do seu lugar no mundo, mas de ensiná-las a encontrar Deus exatamente ali, no que é comum, no que parece banal. Ele mostrava que o “ordinário” deixa de ser vulgar quando descobrimos nele um tesouro escondido.
A santidade, dizia ele, não é fazer coisas cada vez mais difíceis, mas fazer cada coisa com mais amor. É unir o céu e a terra na linha do horizonte do próprio coração. É equilibrar o olhar para o transcendente com a atenção ao detalhe concreto. É como Marta e Maria: oração que inspira, trabalho que concretiza.
No fim, o mundo se torna ao mesmo tempo significativo e insuficiente, porque cada detalhe, cada tarefa, aponta para algo maior. E assim, enquanto lavamos pratos, respondemos e-mails ou caminhamos para o trabalho, podemos viver como quem atravessa uma ponte entre o dia de hoje e a eternidade.
---📚 Referências usadas na meditação:
Entrevistas (n. 91 e 116) – São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus (n. 296) – São Josemaria Escrivá
Caminho – São Josemaria Escrivá
Os 100 capitulos espirituais, Bem-aventurado Diádoco da Foticéia
Evangelho de João 12,32
Evangelho de Lucas 1,46-55 (Magnificat)
Explicação do mindfulness: • Ep. 9 - Awakening from the Meaning Crisis ...
Ela girava no ar, de ponta-cabeça, enquanto o mundo congelava ao redor. Auschwitz, 1944. Naquela noite, Edith Eger dançou. Não porque sentia alegria — os pais haviam sido mortos poucas horas antes. Ela dançou para sobreviver. Para salvar sua irmã. E sem saber, sua acrobacia se tornou uma forma de oração. Um “sim” corporal, silencioso, diante do absurdo.
Anos depois, ela escreveria: “A escolha é nossa: seremos vítimas ou não?”. Porque até nos lugares mais sombrios, ainda podemos responder com o que temos: um gesto, um olhar, uma entrega. A fé não é uma ideia para admirar. É uma decisão que se encarna. Uma escolha que se expressa em gestos, em ações, em carne.
E é aí que tropeçamos tantas vezes: quando a fé se torna apenas inspiração sem ação. Quando os propósitos se acumulam no papel, mas nunca se transformam em pão repartido, em tempo dado, em amor que custa. São Josémaria escreveu:
“Concretiza. Que os teus propósitos não sejam fogos de artifício, que brilham um instante para deixarem, como realidade amarga, uma vareta de foguete, negra e inútil, que se joga fora com desprezo.” (Caminho, 247)
Não se trata de fazer muito. Mas de fazer algo. De sair do campo das ideias para o campo do real. Como Cristo, que não apenas pensou em nos amar — Ele veio, suou, sofreu, entregou-se até a última gota.Ele concretizou o Amor.
E nós, o que temos feito com as boas intenções? É hora de escolher entre o brilho vazio dos fogos ou a luz firme de um ato de amor.
📚 Citações
A bailarina de Auschwitz, Edith Eva Eger.
Viktor Frankl, O homem em busca de sentido.
Caminho, S. Josemaria Escrivá.
Meditação do pe. Pedro Willemsens.
📚 Citações literárias
João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida severina.
Patrick O’Brian, Capitão (da série Mestre dos mares).
⛪️ Citações do magistério
S. João Paulo II, Redemptor hominis.
Bento XVI, Spe Salvi.
Meditação do pe. Pedro Willemsens, 18/07/2025.
📚 Citações
C. S. Lewis, O peso da Glória.
J. B. Chautard, A Alma de Todo Apostolado.
TED Talk: O paradoxo da escolha
• Barry Schwartz - O Paradoxo da Escolha (Le...
Curso: Despertando da crise de significado.
• Awakening from the Meaning Crisis
Ensaio do Josef Pieper: O que é o amor?
Meditação do pe Pedro Willemsens, 11/07/2025.
REFERÊNCIAS:
Meditação do Pe. Pedro Willemsens, 04/07/2025.
Referências:
Site para consultar avaliação moral de livros:
Site para consultar guia parental de filmes:
Sobre as leis de pureza do Antigo Testamento:
📚 Citações
Álvaro del Portillo, Entrevista sobre o fundador do Opus Dei.
Stephen Covey, Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes.
Mary Shelley, Frankstein.
Eleanor H. Porter, Pollyanna.
José Miguel Cejas, Montse Grases.
Desenho animado: Como treinar o seu dragão.
Entrevista sobre Mary Liguagem corporal digital:
Meditação do Pe. Pedro Willemsens, 20/06/2025.
REFERÊNCIAS:
📚J. R. R. Tolkien, Sobre os contos de fadas.
📚Chesterton, Ortodoxia.
📚Chaterine L'Ecuyer, Educar na curiosidade.
📚Romano Guardini, O espírito da liturgia.
📚Michael Ende, A história sem fim.