Ao cair no chão, sangrando e com o corpo moído, Nhô Augusto — o Matraga de Guimarães Rosa — parecia acabado. Mas foi justamente ali, na fraqueza, que ele se levantou para a maior luta da sua vida: domar a própria fúria. Durante anos, segurou por dentro o vulcão da ira, até que um dia, no confronto final, deixou a besta sair. E, paradoxalmente, foi assim que entrou no Céu.
Jacó também lutou, mas de outro modo. Homem avesso a brigas, acabou enfrentando um anjo à beira do Jaboc. Ferido, mancando, recebeu um novo nome: Israel. Ambos, cada um à sua maneira, mostram que até a ira pode ser transformada.
A ira não é só pecado. Como ensinam os santos e confirmam até os psicólogos, ela é uma paixão humana, uma energia vital. Pode nos perder, sim, mas também pode nos salvar — quando direcionada para o bem. Cristo, manso como o Cordeiro, também foi o Leão que expulsou os vendilhões do Templo. A mesma força que destrói pode purificar.
O segredo está em não sufocar nem deixar-se dominar, mas dar lugar à ira justa: expressar, corrigir, agir. A raiva pode ser alarme de que algo precisa mudar. Pode ser motor para uma decisão firme. Pode ser coragem para enfrentar o que evitamos há tempo demais.
Nossa Senhora, forte e decidida, correu às pressas para ajudar Isabel e intercedeu em Caná quando faltou vinho. Ela nos mostra que até a energia da ira, bem orientada, pode se transformar em zelo, em amor ativo, em força para lutar pelo bem.
📌 Que a nossa ira não seja chama que devora, mas fogo que aquece, ilumina e impulsiona para Deus.
📚 Referências
- A hora e a vez de Augusto Matraga, conto do livro Sagarana, Guimarães Rosa.
- Livro sobre a ira citado: Good Anger, Sam Parker.
- Entrevista com o escritor desse livro: aom.is/goodanger.
- Filme: Luz fantasma (Ghostlight).
- Duas palestras de TED Talk sobre o bom uso da ira: