Hoje celebramos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Muitas vezes deixamos que este dia invada o Dia de Todos os Santos; deveria ser o contrário: olhar os defuntos à luz da santidade a que todos somos chamados, a felicidade plena para a qual Deus nos destina. Ontem escutámos: “vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar”. Não vemos todos, mas reconhecemos rostos amados nessa multidão.
Podemos viver este dia em duas perspetivas. A primeira é a do sufrágio por todos os que partiram para a eternidade: oferecemos a Deus as nossas orações e boas obras, pedindo por quem se encontra no seu tempo de purificação — aquilo a que chamamos, de modo simples, as almas do Purgatório. A segunda é a memória agradecida: recordamos familiares, amigos, vizinhos e tantas pessoas próximas, com os olhos húmidos de saudade e o desejo de falar de novo com elas. E surge a pergunta: “estarão já junto de Deus?” Não o sabemos; e esse não saber abre-nos à esperança vigilante.
A primeira leitura, breve e incisiva, põe-nos nos lábios de Jó: “Eu sei que o meu Redentor vive; eu próprio O verei, os meus olhos O contemplarão”. Esta é a base do nosso celebrar hoje: o Redentor está vivo e chama-nos à visão do seu rosto. Se estamos chamados a contemplar a bondade do Senhor, também cremos que os nossos defuntos são chamados à mesma bem-aventurança.
Para tal, é necessária purificação. Usando a linguagem do Apocalipse, é preciso branquear a túnica no sangue do Cordeiro. A conversão é acolher a graça e corresponder-lhe; Deus age em nós, mas nem sempre estamos disponíveis, e a túnica fica manchada. A Igreja ensina que, se essa purificação não se completa nesta vida, existe um estado — o Purgatório — onde nos deixamos impregnar pelo amor de Deus, até tudo o que se opõe a esse amor ser queimado.
Por isso hoje sufragamos os que partiram. As nossas orações, sacrifícios e obras de caridade, unidas a Cristo, podem ajudá-los no seu caminho de purificação. E acolhemos também o Evangelho: “Vinde a Mim, todos os que andais cansados… Aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso”. Jesus nunca recusou ninguém; acolheu a todos e, ao acolher, chamou à transformação. Deu os meios da conversão e mandou celebrar quando o perdido foi encontrado.
Convido-vos a viver este dia com serenidade: celebrar a certeza de que os que morreram são chamados à presença de Deus. Isto não seca todas as lágrimas, mas aquece o coração. Ao mesmo tempo, rezar pelos defuntos compromete-nos com a nossa própria conversão. Não faz sentido pedir para os outros aquilo que não desejamos para nós. Cuidemos da vida, preparemos o encontro, ordenemos a casa interior.
Sufragar é dever, consolo e responsabilidade: um bem que podemos fazer aos que amamos e um apelo a caminharmos também nós para a visão do Senhor. Preparemos desde já essa festa — o encontro, a alegria, a paz sem ocaso, onde Deus será tudo em todos.
Comemoração dos Fiéis Defuntos
Habitualmente pensamos que ser santo é coisa de uma elite: gente com uma vida muito diferente da nossa, que foi para o mosteiro, que se afastou do mundo, ou mártires que morreram por Jesus. Esses santos são para nós motivo de louvor, grandes intercessores e estímulo para vivermos a fé com radicalidade. Mas é essencial recordar o mais verdadeiro: a santidade é para todos, como insiste o Papa Francisco.
Perante esta verdade, caímos muitas vezes em dois erros. Primeiro, colocamos o centro em nós: “eu fiz, eu não fiz, eu sou, eu não sou…”. O santo não se centra em si, mas em Deus; descentra-se de si para se centrar nas coisas de Deus. Segundo, pensamos que ser santo significa nunca cair. Não: ser santo é, cada vez que se cai, levantar-se com a graça de Deus.
A primeira leitura ajuda-nos: os anciãos perguntam quem são os que vestem túnicas brancas e de onde vieram. A resposta: “vieram da grande tribulação; lavaram as túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro”. O texto não diz que nunca sujaram as túnicas; diz que foram purificados. Ser santo é, antes de mais, um ato de receção: receber a graça, deixar que o Senhor nos purifique, nos liberte, nos diga quem somos e quanto nos ama.
O salmo pergunta: “Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário?” Responde: “O que tem as mãos inocentes e o coração puro e não levanta em vão o seu nome.” Esta pureza prática (mãos) e interior (coração) marca os que trazem o selo de Deus. Santidade é identificar-se com Deus, deixar que Ele imprima em nós o seu rosto. Somos santos quando deixamos resplandecer em nós o rosto de Cristo.
E como é que esse rosto resplandece? O Evangelho diz: nas Bem-aventuranças. Felizes os pobres de espírito (desprendimento), os que choram (não ignoram as perdas), os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores da paz. Quando vivemos esta lógica, trazemos o rosto de Cristo — muitas vezes frágil, por vezes opaco, porque confiamos só nas nossas forças. Mas, com São Paulo, sabemos: “quando sou fraco, então é que sou forte”. Na fraqueza entende-se melhor que ser santo é deixar-se levantar, purificar e fortalecer por Jesus Cristo.
O Apocalipse fala de “uma multidão que ninguém podia contar”. As multidões podem ser incontáveis, mas têm rostos. Olhando para a multidão dos santos, podemos identificar amigos, familiares, vizinhos, pessoas com quem vivemos e que já partiram para a eternidade. Somos desafiados a recordar esses rostos e a reconhecer que, no nosso dia a dia, convivemos com santidade discreta e quotidiana.
Concluindo: ser santo não é um prémio por bom comportamento; é pertencer a Cristo. É deixar que Ele lave e branqueie a nossa túnica, tantas vezes manchada pelas tribulações. O Senhor lava, o Senhor branqueia, o Senhor faz-nos santos a partir da sua própria santidade. A nós cabe acolher a graça e, depois, viver concretamente: mãos inocentes, coração puro, misericórdia praticada, justiça desejada e paz construída. Assim, o rosto de Cristo brilha em nós.
Solenidade de Todos os Santos
Sexta-Feira (Santos e Fiéis Defuntos)
Quando temos a ideia de um juiz vingativo, a imagem do publicano coloca tudo no seu verdadeiro sítio. Deus não nos castiga; Ele é um Pai misericordioso que nos ama e apenas espera que, como o publicano, digamos: "Senhor, sou pecador, tem compaixão de mim."
Como diz o Salmo, "não serão castigados os que n’Ele confiam". Mas confiar em Deus não é um salvo-conduto para fazermos o que queremos; é uma atitude cultivada ao longo da vida.
Na própria liturgia, o Ato Penitencial não serve apenas para confessar pecados. É, sobretudo, o momento de tomar consciência de que precisamos da Sua misericórdia e de nos deixarmos abraçar pelo Seu amor, que nos restitui a dignidade.
Quando nos sentimos amados e perdoados por Deus, a consequência natural é amar, dar e perdoar. Não por obrigação, mas como fruto desse amor recebido. Este amor dá-nos "óculos novos" para ver a vida com esperança, valorizando o que está bem, em vez de apenas criticar o que está mal. É um bom exame de consciência: somos o fariseu que critica ou o publicano que se abre à graça?
Como São Paulo, podemos olhar para a nossa história reconhecendo os nossos erros, mas sempre numa perspetiva de esperança. Deus nunca nos abandona, mesmo quando nós O abandonamos.
A proposta central é, pois, cultivar a humildade. Deus ama-nos tal como somos, mesmo as partes de nós que não aceitamos. Sentirmo-nos amados por Ele transforma-nos e leva-nos a amar o próximo, especialmente os mais sós e pobres.
Mas atenção: humildade não é desprezar-se. Humildade é verdade. É tomar consciência da nossa verdadeira estatura: somos criados à imagem de Deus, imensamente amados por Ele, e, ao mesmo tempo, limitados e frágeis. Quando nos deixamos amar na nossa fragilidade, assumimos a dignidade que o Senhor nos quer dar: a de sermos homens e mulheres libertos, plenos, vivendo em comunhão alegre com Ele.
XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
XXX Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Ao celebrarmos o Dia Mundial das Missões, o Evangelho deixa-nos uma pergunta exigente: “Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé sobre a terra?” Esta interrogação toca-nos a todos e alarga o horizonte das “missões”. Não são apenas os territórios longínquos onde Cristo é desconhecido; hoje, uma grande parte da missão da Igreja é evangelizar de novo as terras de antiga cristandade — os “nossos” territórios — onde muitos se dizem cristãos, mas a fé esmoreceu.
Uma coisa é praticar ritos; outra é viver da fé. O ideal é que os ritos brotem da fé e a alimentem, mas nem sempre acontece assim. Ter fé é, antes de tudo, manter uma relação viva com Jesus Cristo: ligar o nosso coração ao coração do Senhor. Por isso, detenhamo-nos na oração, experiência humana decisiva para nos unirmos a Deus num tempo obcecado por produtividade e eficácia.
A primeira leitura mostra-nos dois “lugares”: Josué combate no vale, enquanto Moisés sobe ao monte com a vara de Deus. Quando Moisés ergue as mãos, Israel vence; quando as baixa, perde terreno. Dois companheiros colocam-lhe uma pedra para se sentar e sustentam-lhe os braços até ao pôr do sol. A vitória nasce desta oração perseverante e comunitária. Assim é a vida cristã: vale e monte, ação e intercessão, o concreto do dia a dia e a elevação da oração. Precisamos de tempos e espaços que nos recordem que, ao subir “geograficamente”, deixamos o coração elevar-se para Deus. Mas essa subida deve tocar o vale das nossas lutas diárias; não pode haver rutura entre o que rezamos e o que vivemos.
Jesus ensinou-nos a rezar o Pai-Nosso. Antes de apresentarmos pedidos (“quero isto, preciso daquilo”), começamos pela relação: “Pai”. Pedimos que o seu Nome seja santificado e que venha o seu Reino. A oração verdadeira alinha o nosso desejo com o desejo de Deus; deixa que Ele converta o nosso coração. Para isso, é essencial a leitura e meditação da Palavra — e também dos grandes textos da tradição —, que nos endireitam por dentro e nos põem na direção do Reino. Como exorta São Paulo a Timóteo, permaneçamos firmes no que aprendemos desde a infância: as Escrituras conduzem-nos à sabedoria que salva.
Deus também nos educa na oração. Como um pai que não dá batatas fritas todos os dias à criança, o Senhor nem sempre concede o que pedimos de imediato. Dá-nos, porém, o que verdadeiramente nos faz bem, a médio e longo prazo. Daí a necessidade da perseverança. O Evangelho apresenta a viúva — a mais vulnerável numa sociedade patriarcal — que insiste até obter justiça de um juiz sem coração. Se até um juiz injusto cede, quanto mais Deus fará justiça aos seus eleitos! Muitas vezes desanimamos porque não respeitamos o “tempo de Deus”: ou ficamos só no vale da agitação, sem subir ao monte, ou subimos sem descer ao compromisso. A sabedoria do coração ajuda-nos a esperar o tempo favorável.
Neste mês do Rosário, valorizemos uma forma de oração simples e comunitária. Rezar o terço é meditar os mistérios da vida de Jesus. Seria ótimo, sempre que possível, ler o trecho bíblico correspondente a cada mistério: assim, a repetição torna-se contemplação e a contemplação torna-se escola de sabedoria. Rezemos para que a nossa meditação nos faça crescer na fé que salva — não a “salvação” que a nossa cabeça imagina, mas a que Deus oferece, a única que liberta e nos faz verdadeiramente felizes.
Que o Senhor nos conceda esta unidade de vida: ritos que brotam da fé, fé que se alimenta da oração, oração que ilumina a missão — no vale e no monte — até que o Reino venha, e Ele nos encontre firmes na fé.
Hoje a Palavra de Deus oferece-nos um fio comum: a cura que Deus realiza para nos devolver a vida inteira. Na primeira leitura, do Segundo Livro dos Reis, vemos o general sírio Naamã, leproso e desesperado, que procura o profeta Eliseu. O homem de Deus não lhe pede façanhas extraordinárias; manda-o apenas mergulhar sete vezes no Jordão. Naamã resiste: “Só isto? E logo nesse rio, tão modesto?” Mas cede ao bom conselho, confia, cumpre a palavra recebida e fica curado: a sua carne torna-se como a de uma criança. Não ganhou apenas pele nova; recebeu um coração novo. O pagão orgulhoso regressa agradecido e crente no Deus verdadeiro. Por isso pede um pouco de terra de Israel: quer, na sua terra, adorar somente o Senhor. É a lógica da graça: não se compra nem se paga; acolhe-se com gratidão e transforma a vida.
No Evangelho (Lc 17), Jesus caminha “entre a Samaria e a Galileia”, fronteira simbólica entre quem se julga dentro e quem é tido por fora. Dez leprosos, à distância, gritam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”. Ele responde com uma palavra que põe em marcha: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes”. A cura acontece a caminho. E um — precisamente um samaritano, o excluído — volta para agradecer e dar glória a Deus. A salvação de Deus destina-se a todos e, tantas vezes, é acolhida primeiro por quem menos esperaríamos.
Aqui está a pedagogia da salvação em três verbos: pedir, caminhar e agradecer. Primeiro, pedir: reconhecer a nossa pobreza e suplicar a misericórdia. Depois, caminhar: obedecer à Palavra, pôr os pés na estrada, colaborar com a graça com a nossa decisão, esforço e perseverança. Finalmente, agradecer: não apenas um “obrigado” de cortesia, mas um estilo de vida que dá glória a Deus amando os seus preferidos — todos, e de modo especial os pobres e excluídos.
Quando isto acontece, não se cura apenas uma ferida ou um sintoma; cura-se a biografia inteira. O essencial não é só a saúde do corpo: é o sentido renovado da vida. Por isso, amar a Deus e ao próximo não são apêndices devotos; são a forma concreta de acolher a salvação. Uma autêntica vida cristã não se reduz a ritos ou palavras; prolonga o gesto de Jesus: aproximar, perdoar, curar, reintegrar.
A segunda leitura recorda: “Se formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo” (2 Tim 2,13). É esta fidelidade que quebra o círculo do mal e inaugura o círculo do bem: quanto mais acolhemos o seu amor, mais nos deixamos curar por dentro; quanto mais nos sabemos amados, mais nos damos aos irmãos; e quanto mais nos oferecemos, mais experimentamos a alegria de sermos amados e humanizados por Deus.
Peçamos, então, a graça de viver estes três passos todos os dias. Pedir com humildade, caminhar com confiança na Palavra, agradecer com a vida inteira. Assim, como Naamã, receberemos um coração novo; e, como o samaritano, voltaremos para dar glória a Deus — não só com os lábios, mas com gestos que levam cura e reconciliação a quem encontramos no caminho.
XXVIII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXVIII Domingo do Tempo Comum - Segundaa Leitura
XXVIII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
“Senhor, aumenta a nossa fé”: dom, tarefa e caminho
No Evangelho, os Apóstolos pedem: “Aumenta a nossa fé.” Este pedido é também o nosso. A fé é dom de Deus — ninguém a fabrica —, mas é igualmente tarefa: acolhe-se e cultiva-se. Não basta repetir “Senhor, aumenta a minha fé” e cruzar os braços. Jesus lembra que uma fé pequena “como um grão de mostarda” realiza o inesperado: o pouco, vivido com Deus, transforma mais do que imaginamos.
A dificuldade nasce quando olhamos o mundo e vemos injustiças, doença, morte, sofrimentos que não entendemos: “Porquê prosperam os malandros e sofrem os justos?” A primeira leitura, do profeta Habacuc, dá-nos um método espiritual para atravessar este escândalo sem desistir: ver, escrever, esperar.
1) Ver. A fé não tapa os olhos. Somos chamados a olhar a realidade tal como é, sem cosméticas piedosas. Mas ver “com olhos de fé” significa aprender a olhar como Deus olha: reconhecer o mal e, ao mesmo tempo, discernir o bem possível, o que Deus deseja fazer nascer naquela situação. É um ver que já contém uma semente de transformação.
2) Escrever. Diz o Senhor a Habacuc: “Põe por escrito a visão, grava-a em tábuas com clareza.” Escrever é fixar a memória do que Deus nos faz entender, para não perder a orientação quando o tempo se alonga ou a esperança se turva. Diário espiritual, pequenas notas, uma frase bíblica na carteira: marcas de uma visão que nos recentra.
3) Esperar. “Se tardar, espera, porque virá e não tardará.” Esperar não é passividade de quem aguarda o autocarro. É espera ativa: comprometer-se com as causas do Evangelho e fazer o que está ao nosso alcance para que o Reino avance. Como quem cuida de uma planta: rega, poda, aduba… e confia no tempo da maturação. A fé trabalha e espera.
Este caminho protege-nos de dois enganos: o espiritualismo resignado (“Deus fará tudo sem mim”) e o ativismo impaciente (“eu faço tudo sem Deus”). A fé cristã é aliança destas duas verdades: dom recebido e responsabilidade assumida.
E como se cultiva, na prática, a fé-mostarda? Não apenas com gestos “espampanantes”, mas, sobretudo, com pequenas fidelidades quotidianas: uma palavra justa quando é mais fácil calar, um tempo dado a quem precisa, a oração breve mas fiel, a honestidade no escondido, o perdão que desarma um rancor. O Reino cresce assim: discretamente, eficazmente.
No fim, Jesus recorda: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.” Não se trata de desvalorizar o bem realizado, mas de reconhecer que os frutos excedem sempre a nossa medida. O pouco que oferecemos, Deus multiplica. E é a leitura crente dos acontecimentos — ver, escrever, esperar — que nos permite reconhecer, na nossa história, a mão de Deus.
Peçamos, então: “Senhor, aumenta a nossa fé.” E respondamos com a vida: ver com os teus olhos, escrever para lembrar, esperar trabalhando. Assim, o grão de mostarda da nossa fé moverá amoreiras e mares, isto é, mudará corações e realidades — começando pelo nosso.
XXVII Domingo do Tempo Comum - Evangelho
XXVII Domingo do Tempo Comum - Segunda Leitura
XXVII Domingo do Tempo Comum - Primeira Leitura
Escutando a primeira leitura da profecia de Amós e o Evangelho, percebemos que ambas apresentam um conflito social. De um lado, os ricos, que viviam muitíssimo bem, sem faltar nada, usufruindo de todos os prazeres; do outro, os pobres esquecidos. Em Amós, denuncia-se que os ricos não se afligiam com a ruína de José. No Evangelho, vemos Lázaro mendigar à porta do homem rico sem que este se compadecesse. O fim de ambos é claro: os ricos da leitura foram os primeiros a ser exilados; o homem do Evangelho acabou na perdição.
Isto poderia parecer uma condenação da riqueza e um elogio da miséria, mas não é assim. O problema não estava em serem ricos, mas em viverem tranquilos e indiferentes, ignorando os que não tinham o mínimo para viver. O pecado foi não se preocuparem, não ajudarem.
E aqui podemos perguntar: afinal, para que serve a Igreja? A Lumen Gentium diz: para ser sacramento universal de salvação. Concretiza-se em três eixos: evangelizar, louvar e cuidar dos pobres.
· Evangelizar – anunciar a Boa Nova, propor um projeto de vida mais autêntico, pleno e verdadeiro.
· Louvar – a liturgia comunitária, mas também a liturgia doméstica: oração pessoal, em família, recitação do terço, bênção das refeições. Deus não precisa dos nossos louvores, mas nós precisamos de nos deixar moldar pela graça que nos transforma.
· Cuidar dos pobres – seguir Jesus implica comprometer-se com a dignidade dos que menos têm.
Recordo, da experiência paroquial, como muitas vezes ouvia dizer: “Agora já não há pobres.” É verdade que o Estado Social atenuou necessidades extremas. Contudo, “os pobres sempre os tereis convosco” (cf. Jo 12,8). Sempre haverá alguém mais limitado, mais vulnerável. E o critério de autenticidade da nossa vida cristã é justamente este: cuidar dos pobres, no sentido de ajudar os que têm menos condições do que nós.
A pobreza pode ser relativa: os pobres entre nós vivem melhor que muitos povos da Índia, mas isso não nos desobriga. Não podemos pensar: “Tenho o suficiente, não me cabe preocupar-me com os outros.” Isso seria uma visão egoísta e perversa.
O mal não está em usufruir dos bens e prazeres da vida – se foram adquiridos com honestidade, são dons de Deus. O mal está em gozar desses bens fechando os olhos a quem não tem as mesmas condições. Por isso, cuidar dos pobres é critério de qualidade da vida cristã.
Quem vive o Evangelho compromete-se a construir um mundo mais humano e mais justo, animado pela visão de dignidade que a fé nos inspira. Na liturgia, lugar privilegiado da escuta da Palavra e da celebração dos mistérios, Deus vai “entranhando-se” em nós e moldando-nos como discípulos de Cristo.
A maior alegria é encontrá-lo. Quem experimenta a amizade de Jesus sente uma paz e felicidade que nada nem ninguém pode tirar. Daí nasce a evangelização: não por obrigação ou proselitismo, mas porque descobrimos algo tão bom que não conseguimos calar.
Todos nós somos chamados a anunciar e testemunhar esta alegria.
E termino com uma frase de Miguel Torga, que, apesar de nunca ter dado o salto da fé, era um homem em busca. Ele escreveu: «O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!» (segue-se: «Não é que eu tenha verdadeiramente pecados… Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico…») (“Vila Nova, 16 de Agosto de 1936”, Diário I).
Que também sobre nós se possa dizer: “Olha a alegria, olha a paz, olha o entusiasmo dele, porque encontrou Jesus Cristo e fez dele o centro da sua vida.”
XXVI Domingo do Tempo Comum - Evangelho