
Habitualmente pensamos que ser santo é coisa de uma elite: gente com uma vida muito diferente da nossa, que foi para o mosteiro, que se afastou do mundo, ou mártires que morreram por Jesus. Esses santos são para nós motivo de louvor, grandes intercessores e estímulo para vivermos a fé com radicalidade. Mas é essencial recordar o mais verdadeiro: a santidade é para todos, como insiste o Papa Francisco.
Perante esta verdade, caímos muitas vezes em dois erros. Primeiro, colocamos o centro em nós: “eu fiz, eu não fiz, eu sou, eu não sou…”. O santo não se centra em si, mas em Deus; descentra-se de si para se centrar nas coisas de Deus. Segundo, pensamos que ser santo significa nunca cair. Não: ser santo é, cada vez que se cai, levantar-se com a graça de Deus.
A primeira leitura ajuda-nos: os anciãos perguntam quem são os que vestem túnicas brancas e de onde vieram. A resposta: “vieram da grande tribulação; lavaram as túnicas e branquearam-nas no sangue do Cordeiro”. O texto não diz que nunca sujaram as túnicas; diz que foram purificados. Ser santo é, antes de mais, um ato de receção: receber a graça, deixar que o Senhor nos purifique, nos liberte, nos diga quem somos e quanto nos ama.
O salmo pergunta: “Quem poderá subir à montanha do Senhor? Quem habitará no seu santuário?” Responde: “O que tem as mãos inocentes e o coração puro e não levanta em vão o seu nome.” Esta pureza prática (mãos) e interior (coração) marca os que trazem o selo de Deus. Santidade é identificar-se com Deus, deixar que Ele imprima em nós o seu rosto. Somos santos quando deixamos resplandecer em nós o rosto de Cristo.
E como é que esse rosto resplandece? O Evangelho diz: nas Bem-aventuranças. Felizes os pobres de espírito (desprendimento), os que choram (não ignoram as perdas), os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores da paz. Quando vivemos esta lógica, trazemos o rosto de Cristo — muitas vezes frágil, por vezes opaco, porque confiamos só nas nossas forças. Mas, com São Paulo, sabemos: “quando sou fraco, então é que sou forte”. Na fraqueza entende-se melhor que ser santo é deixar-se levantar, purificar e fortalecer por Jesus Cristo.
O Apocalipse fala de “uma multidão que ninguém podia contar”. As multidões podem ser incontáveis, mas têm rostos. Olhando para a multidão dos santos, podemos identificar amigos, familiares, vizinhos, pessoas com quem vivemos e que já partiram para a eternidade. Somos desafiados a recordar esses rostos e a reconhecer que, no nosso dia a dia, convivemos com santidade discreta e quotidiana.
Concluindo: ser santo não é um prémio por bom comportamento; é pertencer a Cristo. É deixar que Ele lave e branqueie a nossa túnica, tantas vezes manchada pelas tribulações. O Senhor lava, o Senhor branqueia, o Senhor faz-nos santos a partir da sua própria santidade. A nós cabe acolher a graça e, depois, viver concretamente: mãos inocentes, coração puro, misericórdia praticada, justiça desejada e paz construída. Assim, o rosto de Cristo brilha em nós.