
Escutando a primeira leitura da profecia de Amós e o Evangelho, percebemos que ambas apresentam um conflito social. De um lado, os ricos, que viviam muitíssimo bem, sem faltar nada, usufruindo de todos os prazeres; do outro, os pobres esquecidos. Em Amós, denuncia-se que os ricos não se afligiam com a ruína de José. No Evangelho, vemos Lázaro mendigar à porta do homem rico sem que este se compadecesse. O fim de ambos é claro: os ricos da leitura foram os primeiros a ser exilados; o homem do Evangelho acabou na perdição.
Isto poderia parecer uma condenação da riqueza e um elogio da miséria, mas não é assim. O problema não estava em serem ricos, mas em viverem tranquilos e indiferentes, ignorando os que não tinham o mínimo para viver. O pecado foi não se preocuparem, não ajudarem.
E aqui podemos perguntar: afinal, para que serve a Igreja? A Lumen Gentium diz: para ser sacramento universal de salvação. Concretiza-se em três eixos: evangelizar, louvar e cuidar dos pobres.
· Evangelizar – anunciar a Boa Nova, propor um projeto de vida mais autêntico, pleno e verdadeiro.
· Louvar – a liturgia comunitária, mas também a liturgia doméstica: oração pessoal, em família, recitação do terço, bênção das refeições. Deus não precisa dos nossos louvores, mas nós precisamos de nos deixar moldar pela graça que nos transforma.
· Cuidar dos pobres – seguir Jesus implica comprometer-se com a dignidade dos que menos têm.
Recordo, da experiência paroquial, como muitas vezes ouvia dizer: “Agora já não há pobres.” É verdade que o Estado Social atenuou necessidades extremas. Contudo, “os pobres sempre os tereis convosco” (cf. Jo 12,8). Sempre haverá alguém mais limitado, mais vulnerável. E o critério de autenticidade da nossa vida cristã é justamente este: cuidar dos pobres, no sentido de ajudar os que têm menos condições do que nós.
A pobreza pode ser relativa: os pobres entre nós vivem melhor que muitos povos da Índia, mas isso não nos desobriga. Não podemos pensar: “Tenho o suficiente, não me cabe preocupar-me com os outros.” Isso seria uma visão egoísta e perversa.
O mal não está em usufruir dos bens e prazeres da vida – se foram adquiridos com honestidade, são dons de Deus. O mal está em gozar desses bens fechando os olhos a quem não tem as mesmas condições. Por isso, cuidar dos pobres é critério de qualidade da vida cristã.
Quem vive o Evangelho compromete-se a construir um mundo mais humano e mais justo, animado pela visão de dignidade que a fé nos inspira. Na liturgia, lugar privilegiado da escuta da Palavra e da celebração dos mistérios, Deus vai “entranhando-se” em nós e moldando-nos como discípulos de Cristo.
A maior alegria é encontrá-lo. Quem experimenta a amizade de Jesus sente uma paz e felicidade que nada nem ninguém pode tirar. Daí nasce a evangelização: não por obrigação ou proselitismo, mas porque descobrimos algo tão bom que não conseguimos calar.
Todos nós somos chamados a anunciar e testemunhar esta alegria.
E termino com uma frase de Miguel Torga, que, apesar de nunca ter dado o salto da fé, era um homem em busca. Ele escreveu: «O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da igreja com a cara que trazia o meu vizinho!» (segue-se: «Não é que eu tenha verdadeiramente pecados… Queria era sentir-me ligado a um destino extra-biológico…») (“Vila Nova, 16 de Agosto de 1936”, Diário I).
Que também sobre nós se possa dizer: “Olha a alegria, olha a paz, olha o entusiasmo dele, porque encontrou Jesus Cristo e fez dele o centro da sua vida.”