Somos gerações deprimidas, melancólicas, saudosas de tempos que nunca chegámos a viver. E então, o que fazer com esse desalento acumulado e reprimido? O que exigir dela? O que reclamar? Não há respostas para estes encontros tristes, mas existem encontros que, apesar de tudo, não são em nada tristes. Um deles aconteceu com Carolina Serranito, co-fundadora e programadora do Festival Triste para Sempre, uma mostra de filmes longe do circuito “tear-jerker” ou miserabilista, obras que reflectem a nossa natureza cinzenta, por vezes derrotista, por vezes impotente. Falámos dessa tristeza como ponto de partida e viajámos longe: da animação à gaivota como prato principal, de documentários sobre avós a 'almodramas', e tudo cronometrado para um filme perdido de John Ford na Cinemateca, essa curiosidade cinéfila que desfaz qualquer discurso derrotista que tenhamos tecido até então: porque até aquilo que se perde, encontra-se.
Material de Apoio
Submissões (até 31 de dezembro), questões, outras informações da 6ª edição Festival Triste para Sempre: tristetristeparasempre@gmail.com
Episódio-piloto de “Verdade seja Dita” da ETIC: https://www.youtube.com/watch?v=BpsZRbSbhM4
Livro “A Existência da Vida” da escritora finlandesa Iida Turpeinen (Livros do Brasil): https://www.wook.pt/livro/a-existencia-da-vida-iida-turpeinen/31914083
Convite feito. Convite aceite. O crítico e programador da Cinemateca, Luís Miguel Oliveira, prepara a sua “Santa Trindade” como oferenda de uma paz cinéfila, e, ao mesmo tempo, sem harmonias nem consensos. Do meu lado, o cinema obsessivo a dar lugar ao cinema paranoico como resposta, dos autores à, realça o convidado, política dos autores (riscar autores se faz favor). Foi assim, naquela tarde rendida ao tempo chuvoso, no Bar 39 Degraus: um pé na boémia, o outro na Cinemateca. “Deveres chamam”, havia alertado Luís. O tempo era curto, mas não interessa, a conversa teria de nascer a qualquer custo. Não foi um combate de boxe, nem algo que valha. Foi, antes, um brinde com copos de imperial — “À decadência!” — porque, neste plano devastado, ou melhor, nas belíssimas ruínas que contemplamos, a cinefilia, a tal anomalia num mundo que nada presta à sua gerência, deve ser debatida, discutida e, muitas vezes, contestada. Contra a consensualidade. Contra o seriado dominante do quotidiano.
Material de Apoio
“Por Entre Belíssimas Ruínas”, de Luís Miguel Oliveira, no Cinematograficamente Falando …: https://cinematograficamentefalando.blogs.sapo.pt/por-entre-belissimas-ruinas-2316064
“Crítica e Consenso”, da autoria de Filipe Furtado, no À Pala de Walsh: https://apaladewalsh.com/2025/10/critica-e-consenso/
Após um dia de trabalho, Samuel Andrade sai da cabine de projecção da Cinemateca com um único objectivo: jantar. Porém, alguém estava no seu caminho. O encontro gerou outro encontro.“Aonde vamos jantar?” “Aqui, mesmo ao lado; nem é preciso andar muito e ainda ficamos no convívio dos fantasmas da Cinemateca.” Abancamos no fundo da cervejaria, na esperança do mais discreto e sossegado possível. Fomos, contudo, traídos pela compostura daquela noite quente. Depois de solicitarmos o menu, o nosso redor começou a encher-se: cacofonia, tilintar de loiça, brindes avulsos na celebração dos mais diversos tratos. Do nosso canto, o Cinema era parte do cardápio. Samuel havia escrito recentemente um Manifesto pela Salvação da Sala de Cinema, e foi a partir dele que agendamos uma pequena luta armada. Paul Thomas Anderson e o seu “One Battle After Another” serviram de pólvora para o embate. “O streaming não tem piada nenhuma!” Chegámos a um acordo mútuo, entre cavalheiros, cada um com o seu prato, opinando entre garfadas sobre o cinema que relembramos enquanto Cinema: o da sala, e, nos mínimos dos mínimos, o do home video, para destilar os desertores. Cheers.
Ler Manifesto aqui: https://filmspot.pt/artigo/manifesto-pela-salvacao-da-sala-de-cinema-14859/
Escrever crítica de cinema é um ato solitário e nem sempre o mais pacífico. São guerras interiores, ideias em combustão, a incessante procura por um espaço “silencioso”, longe dos ruídos e da vida urbana, que, ao contrariar a corrente, libertam a inspiração de que necessitamos… ou assim acreditamos. Foi numa dessas tardes solarengas, com vista para a serra da Arrábida, do outro lado da margem do estuário (engajando o episódio inaugural), que a crítica de cinema Susana Bessa se juntou para uma conversa sobre lutas quotidianas, emoções impressas em textos e representações positivas, como também sobre o inevitável ‘entrar’ na arena sob violência intrinsecamente cultural e o sacrilégio desse ritualizado encontro entre homem e animal. Filme, esse, que no seio desta pequena sociedade chamada “cinefilia à portuguesa”, acabou por gerar um debate politizado e até ético. Alguns lamentos acerca da nossa contemporaneidade emergiram, até porque não se combinou ser rigoroso nem seguir fórmulas (aqui não se fala de cartaz). Nelas revelámos o desgaste e, sobretudo, Vida. Porque escrever crítica é aproximar da nossa Humanidade.
Queixamo-nos da falta de criatividade nos estúdios americanos, mas deixamo-nos embriagar por uma ideia de tempo distante, desses que apenas vivem na memória, como prova de uma existência alternativa. António Araújo, figura central do "podcasting" luso-cinematográfico e coautor do livro "Olhar o Medo", viagem ao cinema de terror em português de Portugal, aceitou, numa noite adentro, abordar este flagelo, porta aberta a outras necrofilias, desapropriações, princesas intergalácticas e crianças armadas. Do elevated horror constatamos a ausência: uma batalha sucedendo-se a outra — emotiva, política, cinematográfica — longe das fortalezas pueris do "cinema confortável". A nostalgia matou o cinema político? Acreditamos que sim. Mas quem somos nós para confirmar ciência exacta?
“Não há revolução sem violência”. Recordo estas palavras ao sair do novo filme de Paul Thomas Anderson (“One Battle After Another”) e ao tentar encaixá-lo no mundo que nos cerca cada vez mais. Contudo, escolhi outra forma de resistência: a de um podcast sobre crítica, cinema, cinefilia e latências (ou até lactâncias, se preferirem). Não quis formatos rigidamente definidos, nem estúdios com auscultadores para soar profissional. Quis, sim, uma vista para o Tejo (e a Serra da Arrábida a acenar no horizonte), uma ‘litrosa’ como companhia e um parceiro no crime: o primeiro desta jornada, já tão habituado (ou calejado) nestas andanças do ‘podcasting’. Rui Alves de Sousa, radialista da Antena 1 e editor/colaborador da “À pala de Walsh”, aceitou o desafio. E permitiu, assim, esta resistência: a de fazer um podcast sob a ordem da palavra, do diálogo, por vezes labiríntico; das queixas e lamentos de uma geração perdida e de uma cinefilia pelo mesmo caminho. Sem guiões, sem planos, partimos para a tertúlia. Ao contrário do filme do PTA, sem violências, porque não é a revolução que procuramos, deixaremos isso para outras estâncias, ou estações.