Nosso time
Nosso amor já foi
o estádio lotado;
o olé pra torcida;
o gol de placa.
Hoje
o meio de campo é nosso forte:
o passe lento
(e preciso)
a cadência de jogo;
o “toca-me e vou”
sem pressa.
Os tempos são outros,
meu bem,
mas nosso time
ainda bate um bolão.
Alambrado
farejei a seiva,
rastejei o chão,
senti o pulso da terra onde jaz meu bicho solto.
nem cabe
(e eu não cabia),
não cabia — e me apequenei.
desfiz-me nas margens,
onde o solo se estende como promessa
e a carne se dissolve no infinito
da mudez de um corpo que nunca antes.
o vento
me sussurra antigos mistérios
de minha dança selvagem em desatino voraz.
nem cabe, pensei,
(e eu não caberia)
nos limites de um corpo que já não é meu.
fui minha própria cerca, fui o arame,
fui o vazio que me preenche.
sou o pulso. sou a seiva.
sou o sussurro do vento.
permaneço com olhos de fúria
e a terra que me abraça em silêncio.
Gaúcha, publicitária, escritora e mãe solo. Autora de dois livros infantojuvenis, dedica-se também à literatura de ficção autobiográfica. Escreve a partir da experiência, do que arde e permanece. Sua escrita é território de memória, de afeto e de coragem.
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SOLO
A cidade girava — alheia ao seu ser.
Ela — estátua — atônita.
O metrô partia com seus pedaços,
e o tempo, tirano disfarçado de rotina.
Nos pés, a pressa herdada das urgências alheias.
Mãe solo. Não por ter gestado só, depois de uma relação falida,
mas por ser — dia após dia — esquecida.
Caminhava entre vozes que não a chamavam,
Queria — talvez — um toque. Um esbarrão.
Um sussurro casual que dissesse: “Eu te vi.”
Ela veste — a roupa que lhe cabe há oito anos:
sua personagem-mãe.
E há tantas... tantas Olívias por aí.
Que correm, como ela,
sem tempo de se esbarrarem.
Fortalezas ambulantes,
com trincheiras no peito.
Procurando por pertencimento.
Solo. No sentido mais humano da palavra.
Solo — entre o abismo da plenitude
e a margem da ausência.
A esperança — ainda que tênue
de reencontrar-se inteira.
Um dia. Quem sabe.
Adriana Carneiro (Recife) é formada em dança (Konservatorium der Stadt Wien /Áustria), Letras (UNICAP) e especializada no ensino do alemão (Friedrich-Schiller-Universität Jena/ALE). Publicou a obra “O corpo como parte de um sistema” (Patuá, 2023). O que move seus poemas não é o corpo; porém, são o ser humano, a natureza e seus atributos.
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VIGOR
o corpo celebra a cada desejo correspondido
não é tão fácil compreender a manipulação da mente sobre o que ele sente
vigor é amalgamar corpo e mente e deixá-lo ser no seu tempo
ele nasce, cresce e quer amar eternamente
como se o amanhã fosse sempre o hoje
como se o vigor fosse para sempre
um corpo que pensa assim é potente
não se deixa vencer facilmente
ele é jovem incessantemente
desde que foi uma semente
que no útero eclodiu
de um encontro de vigor de duas vidas
Poema da obra O corpo como parte de um sistema
(Editora Patuá/SP, 2023)
Participou de diversas antologias no Brasil e na Suíça. Foi finalista no Festival de Poesia de Lisboa 2024 e fez parte do Festival Zürich liesst com a instalação da Zwischentext. Lançou os livros de poesia Fina Linha e Khalas em 2024. Atualmente, trabalha em dois livros de haiku e um de contos.
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Vermelho no branco
Desolação,
se saísse,
seria um urro do abdômen
um soco na parede
o vermelho no branco
uma mordida na carne
o branco no vermelho
as lágrimas escorrendo
o vermelho invadindo o branco
o poema no papel
o vermelho – todo o vermelho –
no branco.
Escritora gaúcha radicada no Paraná e no Tocantins, mestra e doutora com estágio pós-doutoral em Direito. Vencedora do 38.º Prêmio Yoshio Takemoto de Literatura 2024 (Haicai). Autora dos livros Pinte-me de Azul (Mondru, 2023 –Troféu Capivara Reconhecimento Literário, no Prêmio Literário da Cidade de Curitiba 2024) e Sorrir, esse sacrifício (TAUP, 2024).
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UM CORPO QUE CAI
Mulher, te dei morada, mas...
essa boca humilhada
esses olhos gencianos
onde estão teus dentes?
Mulher, te dei caminho
de veias, para resvalar o sangue quente
de pernas, para levar teus sonhos ao cio
de línguas, para friccionar tuas traduções
e há glossários, para necessárias desobediências
Mulher, te dei desejos
Cordas e sons de cantar a vida úmida
Mas essa dobradiça repetindo
rangendo mecânica dor
esgotada
e seca
qual trapo perdido, escorregando no vazio
movimenta insana inanição
Mulher oceânica
investiga teus rastros
e tenha em ti um poema
porque um corpo que cai
é o mesmo que se levanta
É homem bicha-bicho instinto — como se descreve em seu primeiro livro, Máscaras que Caem do Teto, publicado pela Editora Urutau em 2024. Nascido em Tracunhaém, na Mata Norte de Pernambuco, vive há 15 anos no Recife. Administrador e pós-graduado em Gestão de Pessoas, é apaixonado por literatura desde a adolescência e poeta desde o primeiro choro.
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Torda
Gostaria de não ser
tão saudosista ou tão magoatista.
Mas há um engenho
doce em meus lábios
e violento nas minhas lágrimas.
Rude em minha fala
de homem caboclo,
um mamulengo de pau erguido,
um veado crescido.
Manipulado pelas mãos por trás da torda,
de quem desejou um dia
ser o dono daqueles engenhos.
Mas, coitado...
o controle do mamulengueiro
pra eu não ser veado.
Mas, se eu for,
é só ninguém saber —
e só ele me comer.
Abro a boca, mas não digo.
Encerra a cena
com o pau atravessado
na minha goela-fala.
Poeta, músico, terapeuta e educador apaixonado pelas relações humanas e a serviço de novas culturas regenerativas. Graduado em Comunicação Social pela UFRJ, pesquisa rituais em torno da palavra e da escuta como caminhos vivos de prática e estudo do Bem Viver. Autor de Concreto Imaginário (2024, TAUP).
*
o
sol
ambe
ste
spaço
nde
stamos
De Florianópolis, explora a complexidade do mundo com olhar crítico e humor sutil. Trabalha com Inovação e Engenharia do Conhecimento, pesquisando sobre tecnologia e saberes. Tem artigos científicos e obras em diferentes mídias, e também edita a publicação Dedálicos Inventos no Medium.
*
a sinalética da vida
a sinalética da vida está em obras
desvio à esquerda depois do beco sem saída
contradictio in adjectis
a shoppinização da ciência vende ômega 3 em cápsula softgel para memória que falha
um monofisismo diário
desamor, angústia e ansiedade numa só substância cinza
impossível de separar
o tomismo dos manuais não contempla essa heresia
a megamáquina planta mais uma pobreza bonsai
poda poda poda
qualquer ambição contida no vaso de 30 centímetros quadrados
o consumo conspícuo grassa
enquanto o lixeiro passa
e vê o contraste padrão
repito o tetrapharmakos sem muita convicção
é só mais um exercício de ser rápido no que é fugaz
em pensamento autotélico ou tentativa de distração
a tecnolatria promete o upload da consciência
para continuarmos artífices da nossa própria sujeição
mas não vão me matar agora
ah não
ainda tenho boletos a pagar
e ir no mercadinho comprar
mais torpor em promoção
Mineira de Belo Horizonte e viajante do mundo! Que sonha em fazer um poema com objetivos diretos como o orvalho e o rio que se entoam naturalmente!
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Rio Verde
Aprofundar-te seria perder...
E era como um segredo
cortar-te ao meio, cegar-te
voluptuosidade clandestina
fazer de conta que era mistério
que a realidade acontecia nua
inundando o desejo
incrustado em seu chão transparente, era estesia!
Magicamente, algo nos vigiava atento
a memória esvaziava, a fantasia vinha
e o silêncio eclodia.
E era como fogo
sede-sedução
alimento orgânico
gorjeio desenfreado.
Querer-te seria morar-te
olhos verdes
Rio Verde.
Natural de Americana, SP. Lançou em 2024 o infantojuvenil “A fantástica aventura de Ferdinando e quem eu lá conheci” -- vencedor do Prêmio Book Brasil nas categorias Melhor Infantojuvenil e Aclamado pelo Público. Participou de antologias de ficção e nesse ano lança a obra de realismo fantástico “Na estranha imagem entre nós”.
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Restauração
Subindo a escada da virtude
Afogo-me nos desejos dos outros
Cedo à tentação de ignorar as faces já esquecidas
Suplico a Deus para que não me perca de mim mesmo
Dos elementos que hoje me parecem estranhos
Mas que foram talhados no gabinete da minha história
Escondo a desordem por trás dos sorrisos contidos
Mas sempre me escapam as palavras
Nos meus cabelos ao vento
Deixo que me suma a estrada
Ignorando a fotografia da violência
Toca a melodia da alegria nos campos da tristeza esquecida
E continuam a me espetar
Mas estou detrás das camadas que não podem nem ver nem sentir
Nesse mundo tão meu
Só são convidados os que olham para dentro de mim
Sua escrita é uma constante busca por pertencimento, expressando incômodos e reflexões. Inspirada em questões filosóficas, espirituais, ancestrais e LGBTQIA+, ela mergulha em temas como vida, morte, amor e desejo. Com formação em comunicação e especialização em escrita criativa, sua voz singular ecoa através das palavras. @carolina.ana.oz
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Plutão chegou a Áquario
no dia 20 de janeiro
plutão chegou a áquario
caindo como um explosivo
sobre nosso relacionamento
pedindo renovação
arcano XVI
a queda inevitável:
é das cinzas do ego
que nasce a consciência!
a solução vem do treze
passar por qualquer coisa
e se tornar mais forte
o segredo é o ritmo
embalar o outro
escolha complementar
encontrar o meio termo
sem anular o próprio ritmo
como num barco
o remo segue a corrente
do braço
como uma dança
pés sincronizados
o gozo ainda é
a única coisa
que o capital
não conseguiu
e a solução vem da morte.
Escritora e poeta. Prêmios: Vianna Moog, em 2014 (ensaio) UBE/RJ; Off-Flip de Poesia na antologia Tchê!, 2024 e na antologia Terra, 2025. Integra o Mulherio das Letras/RS; coorganizadora da live Digressões Clariceanas desde 2021. Vice-presidenta cultural da AGES 2023/2024, 2025/2026.
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PÊNDULOS
a infância
é pedra de Sísifo
Portinari que o diga,
cantigas de roda
rodopios de pipa
a música ressoa
se essa rua fosse minha
em meio a correria
o esconde-esconde
a amarelinha
e há também os assombros
a escuridão do quarto
os passos da lagartixa
o calendário aponta
os festejos
de Cosme e Damião
fluxo contínuo
na ladeira da minha avó
movimento de pêndulo
afaga
o olhar que guardo
tateando o passado
Jornalista, fotógrafa, autora do livro bilingue A poesia da hora braba (2023, ed. Bestiário). Participa de antologias de poesia e prosa pelo Brasil. É uma das criadoras do site Nós e Outras (noseoutras.com), que divulga a arte da mulher desde 2020. Faz parte do coletivo Enluaradas e do Mulherio das Letras. Vive em Toronto, no Canadá e não come animais.
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Os pés de meu pai
Nunca toquei os pés de meu pai. Morenos
de sol, plantados no chão do barco,
longos e magros, seguros no viver,
eram bonitos os pés de meu pai.
As mãos de meu pai, nunca peguei
só por afeto, nem ele as minhas.
Mas não falsearam a ofertar-me o prumo
no balanço traiçoeiro do Huracán,
prontas a parar-me a queda, os pés firmes
na popa do veleiro, olhos negros que viam
longe e não me viam, os olhos dele
mais além. Sua voz dizia o mundo, do Rio Grande
à Rússia vermelha, do jazz à milonga triste, meu pai,
um homem qualquer.
Paulistano de 18 anos, é escritor e poeta em início de trajetória. Aborda em seus poemas temas existenciais e sentimentais, procurando explorar as palavras e seus silêncios.
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OS DENTES E OS CHIFRES
Eu sou Tudo. E nesse Tudo sou
—Também— Todo seu Oposto.
O avesso — do meu rosto,
— Remonto-me; —
Troca-peles—troco o osso.
Minha própria imagem e semelhança.
Aprisiono a Ti— Corpo
que não possuo.
Me esgarro em Ti, como um grunhido mudo.
Isso sorri para mim no escuro.
Os Dentes — mordem a gengiva
Me afoga—Tamanha Agonia.
Agora; eu sou a caça: veado troca-peles.
Vitima— Ptolemaea; Devoro o caçador.
Perco o reflexo no espelho
Sou Tudo, Sou Oposto — Sou o peso. —.
Sem receio
O corpo em meus chifres—Me ergo.
Participou de dezenas de antologias e coletâneas de poesia e contos. Recentemente, publicou os livros Do Estar no Ainda - Haikais (Patuá, 2022), Versos em Cordas Primas (Helvetia, 2023), premiado pelo Festival de Poesia de Lisboa, e Pequeninos Animais em Haikais, (Patuá, 2024), voltado para o público infantil. Em 2025, foi 1º lugar no Prêmio Off Flip de Literatura com o conto “A Invenção de Fernando Pessoa”.
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O OLHO DO MAR
o olho do mar
atravessa
a praia
alcança espumas
acaricia
lambe
beija a areia
a seduz
quando clareia
a sob a lua
se divide
se multiplica
em leve flerte
e reflete
tudo o que mira
como o sol
da manhã
e da tarde
para apenas
à noite revelar:
o olho do mar
é farol
Autor de A poesia para: outra poesia, dentre tantas (independente); do jeito que ahhh! encruzilhando beiradas, Abissais, ambos pela editora TAUP e de um canal de poesias audiovisuais no YouTube: poesiasdemarcosrobertodossa
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O Pagador de Contas
por vinte anos financiei a vida
por mais tantos a renegociei
esta odisseia triste está invicta
meu totem e tabu pai astro rei
de assinar eu não lembro este contrato
nem discutir aqueles termos nem
com a substituição concordar com
ponto com sitcom triunvirato
era apenas um código de barras
tenro frágil febril uma ousadia
fé na vida um gracejo da fortuna
tudo que faz de si o seu vigia
.............................................................
mais vinte anos parecido nem...
mais vinte anos parecido com...
Nasceu em Olinda, Pernambuco. Bacharel em Direito e em Economia e com especialização em Planejamento e Gestão Pública. Atualmente trabalha como servidor público federal. Teve poemas e contos selecionados em diversas antologias. É autor da ficção científica “A Dinâmica Orgânica”, Ed. Ibis Libris, 2024.
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MÉRITO E MENDICÂNCIA
Havia sido um pobre e simples cristão
Mas você exige grandeza dos homens
Nada poderia querer de um simplório
Embora do seu amor em vão imploro
Porém, da paixão que recebo as ordens
Sim, tolo que sou, mas que coração!
Corri em busca de glória e de riqueza
Com desejo ardente e vontade forte
Cobri-me de título e de medalha
Empreendi, menti, lucrei às custas da alma
Levei a inimigos perigo de morte
Implacável, por cima, virei a mesa
Ouça então esta súplica, por favor
Eu assim mereço que me corresponda
Pois tudo que tinha ao meu alcance fiz
Consegui obstinado o que sempre quis
Rogo para que logo me responda
Tornei-me agora digno do seu amor?
É poeta, artista visual e designer gráfica. Tendo a poesia como fio condutor para suas experimentações, utiliza-se do rasgo, das dobras, das cisuras e costuras para criar imagens e versos. É autora do livro de poemas Parabólica publicado pela editora Patuá (2021).
*
No dia em que a terra parou eu fui embora pra
[Pasárgada
Tomei o mapa num gole só e me inebriei de silêncios
Desconectados das redes globais, adormecidos todos os televisores, abandonados todos os carros
O calendário cansou de existir e pensou se não seria melhor ordenar suspiros
No dia em que a terra parou eu fui embora
Pra Pasárgada passar meus dias
Tomei a estrada num gole só e me inebriei de vento e orvalho
No dia em que a terra parou e tudo parou na terra
Eu vivi
O carioca, doutor em Literatura Comparada, como escritor sempre experimentou o deleite e o sofrimento de juntar palavras. Além de professor de idiomas, traz 13 livros sobre a religião de umbanda, bem como tem publicados diversos poemas e contos em antologias.
*
Homens em vão
Em definitivo,
Diga-me cada um:
Estão as mentes todas
Cansadas ou doentes?
E não saiam pela tangente
Sem resposta efetiva
Da inquietação latente:
Somos todos enfermos?
E há quem diga
Que tudo é mentira!
E que nada é certeiro.
Porém eu pouco creio.
Será minha sina,
Ou então o meu receio
De encontrar acolhida
Da certeza do que vejo.
Ó, meus irmãos vivos,
Onde mais morremos
Se não na vida
Esgotada e enfermiça?