No dia 04 de junho de 2024 foi aprovada a Lei 22006/2024 pela Assembleia Legislativa do Paraná que autoriza a privatização de escolas públicas geridas pelo estado. Iniciativas semelhantes estão sendo gestadas em São Paulo e Minas Gerais. A ideia está baseada na premissa de que a gestão privada é sempre melhor que a pública, o que é uma balela; caso contrário, toda empresa privada seria eficiente e todos os serviços e produtos oferecidos por empresas privadas seriam muito bons, o que é um óbvio equívoco. O que há de fato são bons e maus gestores.
O projeto aprovado propõe que as atividades administrativas e financeiras sejam separadas da proposta pedagógica, que continuaria sendo executada pelo Estado. Mas isso também é balela, pois numa boa escola é impossível fazer essa separação. Um exemplo prático que tive o prazer de conhecer é o do CIEP 441 Mané Garrincha, em Pau Grande, Magé, que pretende formar cidadãos e profissionais conscientes da importância dos temas da sustentabilidade ambiental e social. Nesse caso, as muitas atividades de reciclagem, de reuso e uso eficiente de insumos e de transformação de resíduos e sobras em produtos úteis afetam obviamente todas as atividades de limpeza, de cozinha, de administração e de gestão financeira da escola.
O projeto paranaense pretende ainda precarizar o trabalho dos professores, autorizando a contratação de profissionais sem concurso, e enfraquecer as ações coletivas, uma vez que a comunidade deixará de escolher os dirigentes e definir as metas e prioridades a serem perseguidas.
Uma escola não tem que dar lucro, mas servir ao bem comum e ao interesse social. Portanto, escola e educação são obrigações inalienáveis do Estado, que tem que oferecer educação laica, pública, de graça e de boa qualidade para todos. O CIEP 441 Mané Garrincha e outros muitos exemplos espalhados por todo o Brasil mostram que isso é possível. Basta querer. Por isso, NÃO à privatização das escolas públicas brasileiras.
https://www.aen.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2024-06/pl345.2024lei22.006.pdf
https://exame.com/brasil/em-discussao-em-sp-e-parana-privatizacao-de-escolas-tem-apenas-um-projeto-em-operacao-no-brasil/
https://www.terra.com.br/planeta/atitude-sustentavel/como-escola-publica-do-rj-transforma-15-tonelada-de-residuos-organicos-em-biogas,fcd40e9dc1b63b7b561cda52f9214273j0ji7kzp.html
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/05/escola-publica-em-mage-rj-transforma-lixo-organico-em-energia-limpa.shtml
Você certamente conhece a expressão "Complexo de Vira-Latas" cunhada por Nelson Rodrigues para descrever o eterno sentimento de inferioridade do brasileiro em relação a outros países e instituições estrangeiras, por hipótese sempre melhores que as instituições brasileiras. Na área acadêmica, esse sentimento se manifesta de várias maneiras, como a necessidade de um período de estudos ou intercâmbio no exterior para validação de currículos e a ideia implícita de que quem estudou no exterior é necessariamente melhor do que quem estudou no Brasil. Esse sentimento é tão arraigado que as famílias costumam apresentar seus parentes como muito bons e competentes porque estudaram ou estão estudando no exterior, não importando o que estão fazendo nem onde estão. Estar no exterior é a chancela de qualidade que basta.
Na verdade, a recepção de estudantes brasileiros por instituições estrangeiras costuma ser um excelente negócio para elas. Afinal, recebem bons estudantes, com viagens e bolsas pagas pelo Governo Federal e muitas vezes recebendo polpudas contribuições financeiras a título de taxa de bancada ou de ensino (as chamadas tuitions). Por isso, embora os brasileiros sejam frequentemente discriminados em cidades estrangeiras, são muito bem recebidos em universidades mundo afora.
Digo isso porque recentemente o CNPq anunciou a intenção de publicar uma chamada para atração e fixação de pesquisadores brasileiros radicados no exterior que bebe fortemente no "Complexo de Vira-Latas". Segundo o CNPq, pesquisadores radicados no exterior receberão bolsas e auxílios para instalação e pesquisa que simplesmente não estão disponíveis para os pesquisadores e estudantes que trabalham no Brasil. Além disso, as bolsas pagas serão superiores em cerca de 50% aos salários líquidos pagos a professores contratados para trabalhar em universidades federais, o que torna muito questionável a capacidade de fixação desses profissionais no Brasil. Aliás, exatamente porque estão com salários absurdamente defasados, professores universitários estão em greve em muitas universidades do Brasil.
Se for implementado, o programa na minha opinião é um acinte. É lógico que impedir a fuga de cérebros é importante para o Brasil, mas isso se faz investindo nas melhores condições de trabalho para quem está aqui. Ou criaremos um estranho loop em que valerá sempre a pena tentar a fixação no exterior porque, caso algo dê errado, será possível voltar em condições melhores do que se o pesquisador tivesse ficado aqui. É "Complexo de Vira-Latas" na veia, nu e cru.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_vira-lata
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-acao/fixacao-de-pesquisadores-no-pais-nota-do-cnpq
https://www.cartacapital.com.br/politica/governo-lula-deve-investir-r-1-bilhao-para-repatriar-cientistas-e-combater-fuga-de-cerebros/
Você provavelmente recebeu mensagem há algumas semanas informando que a Universidade de Zurique decidiu se retirar e não mais contribuir com empresas que organizam rankings acadêmicos. Talvez você não tenha sido informado que outras universidades do mundo vêm também seguindo esse caminho, como Faculdades de Direito e Medicina nos Estados Unidos. As razões alegadas são muitas, como o uso de métricas obscuras e de pouco significado acadêmico. Contudo, todas parecem concordar com o fato de que os rankings deformam a atividade acadêmica, uma vez que as instituições passam a trabalhar para subir no ranking ao invés de servir aos interesses dos estudantes e comunidades em que estão inseridas.
Os rankings acadêmicos existem desde sempre, mas nesse formato em que vemos hoje trata-se de um fenômeno relativamente recente, que vem se consolidando no século XXI. Acredita-se que os rankings foram criados e consolidados principalmente para atrair estudantes asiáticos, em especial os estudantes chineses, para as universidades ocidentais, a partir do momento que se observou uma queda contínua do número de estudantes de graduação e pós-graduação na Europa, Canadá e Estados Unidos. Nesse sentido, a participação de instituições brasileiras nesses rankings é ainda menos compreensível, pois o número de estudantes asiáticos nas instituições brasileiras é pífio. Rapidamente as empresas que organizam e divulgam esses rankings se tornaram empresas de consultoria que vendem estratégias para que instituições subam nos rankings que elas mesmas organizam. Além de absurdo, há aparentemente aqui um grave desvio ético. Esse movimento foi aos poucos sendo também transportado para o mundo dos pesquisadores, com preparação de rankings acadêmicos que comparam um médico tailandês com um historiador brasileiro, como se isso fosse possível.
De minha parte, não contribuo com quaisquer desses rankings e ignoro as mensagens que solicitam que eu verifique meus dados em bancos de dados e responda questionários de reputação. No dia em que CAPES e CNPq organizarem uma base nacional da ciência brasileira, terão meu apoio. Aliás, meus dados estão disponíveis no Lattes. Quanto às empresas que organizam rankings de instituições acadêmicas e de pesquisadores, que sigam fazendo seu trabalho duvidoso, mas seu o meu input. Ressalte-se, e sem o input de número cada vez maior de instituições acadêmicas no mundo. Como essas, na minha opinião as instituições brasileiras deveriam simplesmente ignorar o trabalho dessas empresas de consultoria. E se acreditarem que esse trabalho é importante (eu não acho), que organizem um ranking que avalie a importância do trabalho para a sociedade brasileira.
https://www.swissinfo.ch/eng/education/university-of-zurich-quits-international-university-ranking/73693006
https://sciencebusiness.net/news/universities/utrecht-university-withdraws-global-ranking-debate-quantitative-metrics-grows
https://www.universityworldnews.com/post.php?story=20240202121114196
https://www.socialmobilityindex.org/withdrawal_rankings.html
Há pouco mais de um mês houve muita comemoração nas redes acadêmicas a respeito de um acordo assinado pela CAPES com editoras científicas segundo o qual os autores brasileiros deixam de pagar taxas de publicação em revistas abertas. Revistas abertas são aquelas em que o leitor não paga pela leitura ou download do trabalho. Como as taxas de publicação são muitas vezes altíssimas, o que poderia justificar essa tolerância e apoio das editoras à ciência nacional ?
Na verdade, a história não é bem essa. O acordo apenas transfere o pagamento da taxa de publicação diretamente para a fonte: o orçamento da CAPES (ou do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Dessa forma, o pesquisador deixa de pagar com recursos de seu projeto particular, mas o orçamento efetivo para financiar projetos de pesquisa cai por conta do compromisso assumido com as editoras científicas. Por uma questão de transparência, a CAPES deveria divulgar no final do ano o quanto pagou por cada publicação brasileira coberta por esse acordo.
O mercado de publicações científicas é muito lucrativo e premia efetivamente quem nada faz pela ciência, justificando a explosão do número de editoras científicas espalhadas pelo mundo, incluindo o Brasil. Esse mercado vem inclusive promovendo ações que comprometem a integridade científica do processo de publicação, forçando a barra para que os trabalhos migrem paulatinamente do modelo de publicação por assinaturas para o modelo de publicação aberta. Isso explica por que com frequência autores recebem mensagens padrões dizendo que seus trabalhos não se ajustam ao escopo de uma revista e podem ser transferidos para outras, que coincidentemente seguem o modelo de publicação aberta e cobram taxas altíssimas de publicação.
Pesquisadores e associações científicas deveriam se organizar para combater e mudar esse modelo de divulgação científica. No século XXI é inadmissível que a comunidade aceite ser refém de um modelo explorador, que nada contribui com a geração de conhecimento e se apodera de fatia significativa dos orçamentos disponíveis para o setor. Parece óbvio que esse modelo de divulgação pode e deve mudar.
https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/capes-anuncia-parceria-para-acesso-aberto
Uma das piores consequências do produtivismo é a transformação do processo de geração de conhecimento em uma jornada através de uma espécie de "drive-through" científico. Nesse contexto, ao invés de ser apresentado a um problema relevante que aguarda uma solução, o pesquisador é levado a percorrer uma trajetória de atividades desenhadas essencialmente para maximizar a redação de artigos científicos e minimizar o tempo de expedição de diplomas.
No curto prazo, essa estratégia parece ser apropriada. Afinal, o pesquisador é apresentado a um conjunto de tarefas bem definidas e previsíveis, garante a obtenção de um diploma em tempo curto e produz artigos científicos que serão bem avaliados pelos pares, pela CAPES, pelo CNPq e por eventuais bancas de concurso. Parece perfeito, não ? Só que não ...
No longo prazo, essa estratégia pode ser muito ruim e causar muitos problemas relevantes para o ambiente científico. Por exemplo:
1- Leva à deformação do pesquisador, que muitas vezes não compreende que a principal função da ciência é resolver problemas que ainda não encontraram respostas, e não produzir artigos científicos ou produzir diplomas em tempos curtos;
2- Simplifica a atividade científica, que se concentra na solução dos problemas fáceis e previsíveis, ao invés dos problemas difíceis e desafiadores que a sociedade enfrenta;
3- Afasta o pesquisador da realidade e da sociedade em que vive, já que os problemas reais são usualmente mais complexos, envolventes e multifacetados, o que pode aprisionar o pesquisador em torres de marfim;
4- Gera aversão ao risco e induz o sistema de financiamento a apoiar apenas projetos de curto prazo e de baixa relevância;
5- Induz o sistema de avaliação a se concentrar sempre no número de itens produzidos, ao invés da relevância dos problemas abordados e soluções encontradas.
Não se engane: esse processo de deformação e simplificação do trabalho científico está em curso no Brasil. Até por isso, o produtivismo precisa ser enfrentado. Para o jovem pesquisador, fica o convite para a seguinte reflexão: você quer fazer ciência ou caminhar através de um "drive-through" científico?
https://youtu.be/watch?v=ufCuko-H5ec
https://youtu.be/watch?v=6Cj_7Xj5Lhg
https://youtu.be/watch?v=y58ioc4OnMU
Circulou essa semana o resultado do Edital 35/2023, que distribui bolsas de pós-graduação para instituições no país. Várias instituições estão celebrando em suas páginas institucionais a captação de bolsas, mas não há qualquer coisa aqui para ser comemorada, pois o resultado ilustra de forma cristalina o esvaziamento do CNPq como instância de fomento à formação de pesquisadores no Brasil e a elitização da pós-graduação brasileira.
Em primeiro lugar, o número de bolsas disponibilizadas é ínfimo e representa fração desprezível do total de programas de pós-graduação (menos do que uma bolsa por programa da UFRJ, por exemplo, indicando que vários programas não receberão bolsas) e principalmente do total de pós-graduandos matriculados em instituições do país (menos de 1% dos estudantes de pós-graduação da UFRJ, por exemplo). Em segundo lugar, o resultado reforça a política de concentração de bolsas em projetos, o que inibe a amplitude temática dos estudos conduzidos na pós-graduação, reforça o caciquismo (alguns professores controlam as bolsas) e inibe a formação de jovens pesquisadores lotados nos programas de pós-graduação do país.
A elitização da pós-graduação brasileira precisa ser denunciada e combatida. O esvaziamento do papel do CNPq e a eliminação dos programas de demanda social não interessam ao país.
http://resultado.cnpq.br/7769241787369798
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-acao/cnpq-divulga-resultado-preliminar-da-chamada-no-35-2023-pibpg-ciclo-2024
https://posgraduacao.ufrj.br/pdfs/pos_em_numeros
https://www.gov.br/participamaisbrasil/pnpg-2024-2028
Voltamos a esse tema por conta de uma discussão nas redes internas da UFRJ sobre o assunto. Por isso, complemento essa discussão com argumentos usados por colegas que são favoráveis à existência de vínculos entre a aceitação de artigos em revistas científicas e o direito à defesa da tese ou expedição do diploma. O vídeo inicial pode ser encontrado em:
https://youtu.be/QO-uWMsyKcs
Os argumentos mais comumente usados são apresentados a seguir.
i) Sempre foi assim - não é verdade, sendo que a prática se consolidou no Brasil nesse século XXI. Além disso, o argumento é fraco, porque pode ser usado para justificar que nada mude sempre;
ii) É assim em todo o mundo - não é verdade e vários países do mundo vêm se organizando para banir ou reduzir o impacto das práticas produtivistas da vida acadêmica;
iii) É para o bem do aluno - é dúbio, pois a prática foi estabelecida para benefício dos programas e do processo de avaliação. Ressalta-se que poucos programas oferecem cursos de metodologia científica e redação científica para a formação dos estudantes;
iv) É importante para o aluno - é dúbio, pois a prática exerce pouca ou nenhuma influência sobre a vida de quem se dirige ao mercado de trabalho. Além disso, é uma profecia que se auto-realiza, pois as regras produtivistas são estabelecidas e tornam importantes os respectivos índices produtivistas que são estabelecidos;
v) Não podemos mudar sozinhos - é dúbio, pois as mudanças são sempre lideradas por alguém em algum lugar. Essas mesmas regras foram estabelecidas a partir da lógica produtivista liderada por instituições acadêmicas do sudeste do país através da CAPES;
vi) Revistas dão chancela de qualidade - argumento falso, tendo em vista que a maior parte dos artigos jamais será citada e que os processos de revisão são muitas vezes ruins.
Enfim, nada tenho contra a redação e a publicação de artigos. Essa é inclusive uma atividade que me dá muita satisfação. No entanto, para mim é um enorme equívoco estabelecer um vínculo de obrigação entre a publicação e defesa ou expedição do diploma.
O projeto de lei PL-675/2023, de autoria da senadora Eliziane Gama, que trata do regime previdenciário de bolsistas de pós-graduação e se encontra atualmente em regime de consulta pública, tem gerado muita discussão, mas é inócuo. Cheque o link:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/152339
Na prática, a proposta apenas reduz a alíquota padrão de 20% para 5% sobre a remuneração declarada, considerando que a contribuição deve ocorrer na forma autônoma, facultativa e abrindo mão do direito de contar o tempo de contribuição para fins de aposentadoria por tempo de serviço. Cheque o artigo de número 21, no parágrafo 2 da Lei 8212/1991:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm
Na prática, essa proposta não mudará coisa alguma na vida do bolsista de pós-graduação, caso venha ser aprovada. O que queremos é o reconhecimento de que os bolsistas são trabalhadores de fato da pesquisa que se faz no Brasil, nos moldes da proposta prometida por Ricardo Galvão, presidente do CNPq:
http://www.iea.usp.br/noticias/cnpq-estuda-transformar-bolsas-em-contratos-de-trabalho-temporarios
Cheque também vídeos anteriores do canal sobre a importância dos bolsistas para o sistema de pesquisa científica do país:
https://youtu.be/heLxdzHbLic
https://youtu.be/Dqy8tLuocbs
A CAPES acertou duas vezes com a divulgação do novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) para o período 2024-2028. Em primeiro lugar porque o PNPG havia sido abandonado pelo governo anterior, que não tinha mesmo qualquer plano consistente para a educação no Brasil. Em segundo lugar porque colocou o documento em consulta pública, estimulando a participação de toda a sociedade brasileira no planejamento da pós-graduação do país. No entanto, o documento é muito ruim, pelas razões discutidas nesse vídeo. Em particular, faltam metas concretas, prazos concretos e prioridades do plano. Nesse contexto, contribuo com três ações concretas:
1- Dobrar a participação de negros na pós-graduação brasileira até 2028, quando o plano se encerra. (Observo que essa meta é bastante acanhada, tendo em vista o baixíssimo percentual de negros, em especial da mulher negra, em todos os níveis da pós-graduação brasileira.)
2- Instituir programa até 2025 que obrigue docentes e discentes bolsistas, financiados com dinheiro público, a participarem de ações acadêmicas na graduação e escolas de ensino médio no Brasil. (A FAPERJ tem programa de estímulo que pode servir de exemplo.)
3- Instituir programa de compartilhamento compulsório de equipamentos financiados com dinheiro público nas centrais analíticas institucionais até 2025, a serem geridas por instituições de pesquisa de todo o país. (É preciso usar melhor os recursos públicos que financiam equipamentos e garantir acesso a todos.)
Vou inserir essas sugestões na consulta pública estimulada pela CAPES.
Se você quiser ter acesso ao plano e à consulta pública, cheque os links:
https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/capes-abre-consulta-publica-para-plano-de-pos-graduacao
https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/19122023_pnpg_2024_2028.pdf
O nível de ociosidade nas universidades brasileiras atingiu valores alarmantes, superiores a 40% nas universidades públicas e superiores a 80% nas universidades privadas. Várias razões podem ser levantadas para explicar isso: a pandemia, a pós-pandemia, as mudanças do mercado de trabalho, o crescimento do ensino à distância, a desilusão com o ensino superior, entre outras. No entanto, nenhum fato pode explicar sozinho essa trajetória consistente observada nos últimos 10 anos.
O fato é que nenhum negócio pode conviver com tamanhos índices de ociosidade sem cair na tentação de reduzir o tamanho ou propor fechamento de atividades. Essa tentação é ameaçadora para o Brasil, que convive com os menores índices de escolaridade superior (cerca de 20% entre a população com mais de 25 anos) da América Latina, equivalentes a menos da metade do índice médio de escolaridade superior dos países da OCDE (44% para maiores de 25 anos). Portanto, nosso desafio deveria ser o de aumentar o nível de escolaridade, como demanda uma economia moderna e baseada no conhecimento. Por isso, essa trajetória ameaça o futuro do país.
Nesse contexto, surpreende que o tema não venha sendo debatido à exaustão pela sociedade brasileira, e em particular no meio acadêmico. De forma alienada, universidades discutem planos de captação de estudantes, quando em verdade o principal desafio nessa área deveria ser o de fomentar e manter aceso o interesse do jovem estudante de ensino médio no ensino superior, para o bem das universidades, mas principalmente para o bem do Brasil. Por isso, soa ainda mais alienante o fato de que as universidades brasileiras se ocupem apenas do produtivismo, da construção do currículo Lattes e do preenchimento da Plataforma Sucupira, de forma completamente apartada do que vivem os estudantes de ensino médio, em particular nas comunidades mais frágeis que as cercam.
Assim, a pergunta que se impõe é: o que estamos fazendo para fomentar o interesse do jovem brasileiro no ensino superior ? E hoje tem votação sobre o Novo Ensino Médio, que promete fomentar ainda mais o desinteresse pelo conhecimento técnico e científico entre os jovens, sob o mantra da formação para o mercado. É trágico e ameaçador.
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/10/10/quase-40percent-das-vagas-nas-universidades-publicas-estao-ociosas-mostra-censo-do-ensino-superior.ghtml
https://grupoahora.net.br/conteudos/2023/08/05/menos-alunos-e-predios-ociosos-obrigam-reinvencao-nas-universidades/
https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/acesso-nivel-superior-no-brasil-e-muito-abaixo-dos-padroes-internacionais
https://www.metropoles.com/dino/ocde-aponta-que-21-dos-brasileiros-possuem-ensino-superior
O que você acharia de solicitar um orçamento de manutenção a um mecânico de automóveis e receber uma conta de R$ 15.000,00 sem que qualquer serviço tivesse sido ainda prestado ? Acharia um absurdo, não ? Pois é exatamente isso o que está acontecendo no relacionamento entre empresas que prestam serviços de manutenção de equipamentos científicos que elas mesmas vendem para as universidades e centros de pesquisa.
Para você entender esse jogo, é necessário inicialmente compreender que equipamentos científicos sofisticados exercem papel central no mundo acadêmico, já que todo o sistema de avaliação de pesquisadores e laboratórios gira em torno da produção científica. Assim, equipamentos são vendidos em grande quantidade para instituições de todo o país, criando um mercado bilionário. Nesse cenário, as empresas não têm interesse em manter equipamentos já vendidos funcionando, preferindo vender sempre mais um equipamento com a desculpa de que é um modelo mais moderno e que conta com novas funcionalidades. Como parte dessa estratégia, impõem preços abusivos a serviços de manutenção e peças de reposição para os equipamentos que elas mesmas vendem, tornando laboratórios e instituições reféns de grandes empresas fornecedoras dessas máquinas sofisticadas.
O modelo está errado e precisa mudar. As instituições de pesquisa e as instâncias governamentais precisam atuar com mais protagonismo nesse tema, ao invés de deixar o relacionamento por conta de cada laboratório, muito mais frágeis e expostos a essas estratégias abusivas. Algumas sugestões podem ser:
1- Criar um cadastro nacional de práticas abusivas, disponibilizado nas páginas do CNPq, CAPES e MCTI;
2- Impedir empresas que fazem uso de práticas abusivas de fornecer equipamentos para instâncias públicas e governamentais;
3- Organizar editais de licitação mais amplos, com aquisição de múltiplos equipamentos e imposição de serviços mínimos de manutenção;
4- Criar portaria ou lei que imponha o fornecimento de serviços de manutenção por tempo mínimo, de 5 a 10 anos, por exemplo.
Esse modelo precisa mudar e isso é urgente !!!!
Um relatório divulgado nos últimos dias a respeito dos desempenhos das escolas brasileiras no ENEM 2022 (Exame Nacional do Ensino Médio) mostra o tamanho do fosso social existente na área de educação no Brasil. Para começar, no grupo de 50 escolas com melhores desempenhos, 46 escolas (ou mais de 90%) fazem parte da rede privada de ensino. Para piorar, nenhuma das 4 escolas públicas restantes faz parte da rede pública mantida pelos sistemas estaduais de educação, pois 3 estão vinculadas a universidades e 1 é o Colégio Naval do Rio de Janeiro. Isso mostra a importância de o Governo Federal e as universidades brasileiras se envolverem com as questões relacionadas ao ensino fundamental e ao ensino médio. Além disso, os dados desmontam a tese de que os colégios militares são melhores do que os demais, pois a maioria acachapante das melhores escolas não mantém qualquer vínculo com esse tipo de ensino.
É chocante perceber que o desempenho médio dos alunos matriculados na rede privada foi cerca de 15% superior ao desempenho médio dos alunos vinculados a escolas públicas, ainda mais quando se compreende que 85%dos estudantes estão matriculados na rede pública de ensino. Isso ilustra o apartheid que se constrói na sociedade brasileira nessa área e destrói o argumento meritocrático de desempenho para admissão nas universidades do país. É como se dois ou três times de futebol que disputam a série A do campeonato brasileiro começassem o campeonato com cerca de 10 pontos à frente dos demais.
Finalmente, as disparidades são também regionais. Entre os 50 melhores desempenhos no ENEM 2022, 26 (52%) escolas estavam situadas nos estados do sudeste, 16 (32%) nos estados do nordeste e 8 (16%) nos estados do centro-oeste. Nenhuma escola estava situada nos estados do norte, assim como nenhuma escola estava situada nos estados do sul. Isso também mostra como o discurso conservador e muitas vezes racista que tomou conta de algumas frações da sociedade do sul do Brasil não resulta em qualquer benefício para a sua gente. Mas os colegas do nordeste não devem ficar felizes com essa notícia, pois as escolas da região com bons desempenhos na lista são todas privadas e são frequentadas pelas elites locais desses estados, e não pela massa da gente nordestina.
Enfim, o relatório mostra o tamanho do problema que o Brasil precisa encarar de frente e resolver, para que a sociedade brasileira possa ser mais justa e fraterna. O problema da educação é grave e urgente !!!!
https://www.gov.br/inep/pt-br
https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/noticia/2023/11/12/enem-conheca-as-escolas-com-as-50-maiores-notas-do-pais.ghtml
https://flo.uri.sh/visualisation/15308030/embed
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-02/censo-escolar-matriculas-na-educacao-basica-cresceram-em-2022
https://www.sejabixo.com.br/vestibular/quais-sao-as-notas-medias-do-enem/
Na década de 1960 começou a ser construído o modelo de universidade pública que conhecemos hoje. Primeiramente, com a fundação e crescimento rápido dos cursos de pós-graduação, que nos trouxeram com grande atraso a universidade de Humboldt, em que a pesquisa é motor de geração de conhecimento e de preparação do estudante, para que busque o conhecimento necessário para executar suas atividades. Em segundo lugar, com a profissionalização da docência universitária e priorização do modelo de dedicação exclusiva e de 40 horas semanais, já que até aquele momento a maior parte dos professores fazia bico.
Esse modelo começou a se consolidar de forma mais ampla a partir da década de 1990, com a formação de grande número de jovens doutores para ocupar as vagas docentes disponíveis nas universidades brasileiras. Hoje, o perfil típico do docente contratado pelas universidades públicas é de um jovem na faixa de 30 anos, que acabou de terminar o doutorado e assume o seu primeiro vínculo profissional permanente. E é esse ponto que precisa ser mais debatido.
Apesar da maior parte dos estudantes de graduação se dirigir ao mercado de trabalho, a maioria absoluta dos docentes tem formação de pesquisa e jamais teve experiência prévia no mercado de trabalho. Por isso, creio que a universidade brasileira migrou nos últimos 60 anos de um modelo desequilibrado para outro modelo desequilibrado. Embora me pareça claro que não se constrói uma universidade moderna com pessoal contratado como bico, parece também claro que há espaço para atuação de profissionais ativos e com experiência no mercado de trabalho, em particular nos cursos de graduação. Dessa forma, embora essa ideia seja certamente polêmica em vários círculos acadêmicos, uma certa fração dos docentes poderia ter de fato esse perfil de mercado, talvez contratados sim em regime de tempo parcial.
Esse é um tema importante para a universidade da década de 2020, em que observamos muitas transformações no campo da educação, em particular da educação superior. Creio que as universidades deveriam discutir a construção de perfis mais ecléticos e diversificados nos departamentos e programas de pós-graduação, para que não fique ensimesmada e desconectada da sociedade.
O Governo Federal anunciou há cerca de um mês mudanças nas bolsas de produtividade em pesquisa, propondo discussão sobre a eliminação do nível "Pesquisador 2", que passaria a ser chamado de "Pesquisador 1E", e incluindo as taxas de bancada no enxoval de apoio aos pesquisadores do nível 2 (ou 1E). O tema é relevante porque, além de constituírem óbvio prêmio ou complemento salarial, as bolsas de produtividade em pesquisa conferem prestígio aos contemplados. Por exemplo, essas bolsas são usadas como medidas de qualidade dos programas de pós-graduação e garantem acesso a alguns editais, cujas coordenações são reservadas aos níveis mais altos da classificação.
Por conta disso, os comitês de assessoramento e a comunidade científica investem bastante energia na discussão sobre critérios de classificação de pesquisadores, apresentando muitos itens de avaliação e formas de transformar os critérios em números que permitam a proposição de listas ordenadas no final. Mas a pergunta que se impõe é: classificar pesquisadores é importante e necessária para quê e por quê ?
Em verdade, se o objetivo for simplesmente descrever aqueles que atuam de forma profissional na área de pesquisa, bastaria uma única categoria: o pesquisador do CNPq. Nesse caso, os classificados seriam aqueles que atenderem eventualmente os critérios propostos pela instituição. Supondo que seja necessário por alguma razão separar os pesquisadores em função da experiência acumulada (para ocupar postos de representação ou coordenar redes complexas de pesquisa), talvez fossem necessárias apenas duas categorias: pesquisador júnior e pesquisador sênior.
De fato, a classificação de pesquisadores em categorias 1A, 1B, 1C, 1D e 1E (ou 2) é absolutamente desnecessária. Aparentemente, o único propósito de estabelecer esse tipo de classificação é modular o acesso aos recursos financeiros, criar uma espécie de carreira no CNPq (o que é descabido, pois não há vínculo funcional da massa de pesquisadores com o CNPq) ou montar uma estrutura hierárquica (o que também é descabido, porque não existe relação de obediência ou comando entre pesquisadores que atuam em projetos ou instituições). Não há, portanto, qualquer necessidade de que existam pesquisadores generais, capitães, cabos ou soldados no sistema nacional de geração de conhecimento, pois somos todos igualmente pesquisadores do país.
Creio que a comunidade científica e os comitês de assessoramento deveriam aproveitar essa janela de oportunidade para dar CTRL-ALT-DEL e responder a seguinte pergunta fundamental: é necessário classificar pesquisadores por quê e para quê ? Só depois deveriam se debruçar sobre critérios de avaliação e procedimentos algorítmicos de classificação. Quem sabe não nos vemos livres de muitos deles de uma vez ?
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/assuntos/noticias/cnpq-em-acao/cnpq-e-mcti-anunciam-o-adicional-de-taxa-de-bancada-para-bolsistas-nivel-2-pq-e-dt
https://correiodoestado.com.br/cidades/pesquisadores-do-cnpq-terao-progressao-de-nivel-a-partir-de-agosto/191878/
Há um projeto autoritário e perigoso em marcha na área de educação no estado de São Paulo. Como se não bastasse a rejeição dos livros cedidos de graça pelo Governo Federal e distribuição de apostilas com erros crassos, como o que diz que D. Pedro II teria assinado a Lei Áurea, o Ministério Público do Estado de São Paulo iniciou uma ação que questiona decisão recente da Secretaria de Educação de abandonar estudantes das escolas paulistas. Segundo resolução da secretaria, estudantes ausentes por 15 dias seguidos poderão ter as matrículas canceladas, depois de buscas exaustivas (sabe-se lá o que isso significa). A secretaria justifica a resolução com base na necessidade de otimizar o sistema de distribuição de vagas, mas a suspeita é a de que pretende maquiar artificialmente os índices de desempenho das escolas paulistas nos rankings nacionais. Como prova adicional dessa interpretação, a secretaria promete premiar com bônus salariais as escolas que apresentarem maiores percentuais de presença, estimulando na prática o afastamento dos estudantes com problemas.
Além de constituir um total absurdo, pois o Estado deveria dedicar tempo e atenção a estudantes com problemas, trazendo para as escolas inclusive os estudantes que porventura não estivessem matriculados, o projeto parece reforçar movimentos da extrema-direita internacional para legalizar e estimular o trabalho infantil, como mostram iniciativas nesse sentido em todo o mundo. Afinal, a secretaria promete que os estudantes que retornarem às salas de aula serão recebidos, mas no programa de educação de adultos, o que parece esclarecer bastante os objetivos perseguidos, não ?
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/31/rede-estadual-de-sp-ensina-que-capital-paulista-tem-praia-e-agua-pode-transmitir-parkinson-secretaria-diz-que-retificou-erros.ghtml
https://educacao.uol.com.br/noticias/2023/08/25/tarcisio-norma-que-pode-expulsar-aluno-com-mais-de-15-faltas.htm
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/27/mp-investiga-secretaria-da-educacao-de-sp-por-resolucao-que-permite-cancelar-matricula-de-aluno-com-mais-de-15-faltas.ghtml
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2023/agosto/acao-do-mte-retira-5-adolescentes-do-trabalho-infantil-em-minais-gerais
https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2023/agosto/acao-do-mte-retira-22-adolescentes-de-trabalho-infantil-no-espirito-santo
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-66114336
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c25peypzev5o
Todo projeto autoritário avança sobre a educação, porque os governos autoritários precisam moldar a forma com que os jovens veem o mundo e percebem a sociedade. Nesse sentido, a escalada autoritária foi acachapante nas duas últimas semanas na área de educação do governo de São Paulo.
1- São Paulo abandonou o Programa Nacional do Livro Didático para contar a sua história e apresentar o seu programa, o que é uma balela porque a base curricular é nacional e na esteira do pedido de enfrentamento aos estados do norte e nordeste feito pelo governador de Minas Gerais.
2- São Paulo propôs um plano didático 100% digital, embora tais programas venham sendo rechaçados em todos os lugares do mundo em que foi implementado. Apesar de ter voltado parcialmente atrás, prometeu gastos desnecessários com impressão de apostilas, ao invés de livros, cujos autores e editoras estão situados majoritariamente nos estados do sudeste.
3- Sem infraestrutura de internet e equipamentos disponíveis, São Paulo promete investimentos na área em que coincidentemente o seu secretário de Educação ganha dinheiro vendendo infraestrutura de informática para escolas privadas e públicas, para tornar a proposta factível, sem esclarecer o que fará para compensar perdas, roubos, quebras, ...
4- O governo demandou que diretores de escolas públicas assistam aulas ao menos duas vezes por semana de seus professores e emitam relatórios de adequação, transformando diretores em policiais, deformando a missão dos diretores e esquecendo de maneira proposital que tal acompanhamento é feito nas reuniões de colegiado e de acompanhamento programático.
O Brasil precisa estar de olho aberto. O ovo da serpente em gestação pelo governo autoritário de São Paulo precisa ser quebrado.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-08/sao-paulo-deixa-de-aderir-ao-pnld-mas-vai-manter-livros-fisicos
https://educacao.uol.com.br/noticias/2023/08/05/escola-publica-sp-tablets-alunos-material-digital.htm
https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2023/08/07/por-que-especialistas-em-educacao-condenam-adocao-de-material-didatico-100percent-digital.ghtml
https://www.estadao.com.br/politica/empresa-de-secretario-de-educacao-em-sp-e-punida-e-proibida-de-vender-para-o-poder-publico/
https://www.metropoles.com/sao-paulo/tarcisio-garante-que-nao-fara-novos-contratos-com-empresa-ligada-a-secretario-da-educacao
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/08/04/governo-de-sp-determina-que-diretores-de-escolas-acompanhem-professores-nas-salas-e-facam-relatorios-semanais.ghtml
Estudo publicado na semana passada revisa o número de artigos científicos publicados em todo o mundo em 2022. O estudo mostra que o número de publicações científicas continua crescendo a taxas expressivas no mundo, de cerca de 6% ao ano, impulsionado pelo crescimento impressionante do número de publicações de autores chineses e indianos, de cerca de 20%. Isso consolida a China como maior país produtor de artigos científicos do planeta e coloca a Índia em terceiro lugar, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Contudo, em cerca de metade dos países que mais publicam trabalhos científicos foi observada queda da produção de artigos internacionais, possivelmente ainda por conta da crise pandêmica. Nesse triste ranking às avessas, a liderança negativa é do ... Brasil (!!!!), atrás até mesmo da Ucrânia em guerra, com queda pronunciada de 7,5% do número de publicações. Ainda mais preocupante, a queda foi generalizada e observada em todas as áreas do conhecimento, refletindo as estúpidas políticas dos últimos quatro anos de desinvestimento em educação, ciência e tecnologia. Deve ser observado que a queda foi ainda maior nas áreas de ciências agrárias, de 14%, desfazendo o mito de que o agronegócio brasileiro impulsiona o desenvolvimento científico no Brasil.
Foi a primeira vez na história que o número de publicações científicas caiu no Brasil, de maneira que os dados mostram que construir uma política científica custa muita energia, trabalho e dinheiro, mas que destruir é muito fácil: basta interromper os investimentos, como feito pelo último governo. Dessa maneira, o país vai ficando para trás na corrida tecnológica, como indicado pela redução continuada do crescimento do número de autores brasileiros nos artigos publicados no mundo, igual a 12% no ano 2000 e a 5% em 2022. Que o Brasil retome o juízo e a trajetória de investimento científico e tecnológico, já que não há economia moderna nem país justo e avançado sem conhecimento embarcado em seus produtos e suas atividades.
https://abori.com.br/relatorios/2022-um-ano-de-queda-na-producao-cientifica-para-23-paises-inclusive-o-brasil/
https://apubh.org.br/noticias/legado-do-bolsonarismo-pela-primeira-vez-brasil-registrou-queda-na-producao-cientifica/
A Portaria 133/2023 foi publicada pela CAPES na semana passada e autoriza o acúmulo de bolsas de apoio a atividades de pós-graduação oferecidas por diferentes instâncias governamentais, além de autorizar o acúmulo de bolsas com atividades remuneradas. A medida era demandada pela academia há algum tempo, em particular no escopo de atividades de pesquisa conduzidas com parceiros privados com interveniência de fundações de apoio. Apesar de bem-vinda, a execução dessa portaria deve ser monitorada com detalhes por órgãos de representação porque também impõe alguns riscos.
Deve ser observado que as bolsas de apoio ao sistema de pós-graduação devem ser em princípio suficientes para que o estudante realize as atividades de pesquisa, ensino e aprendizado em modo integral e de dedicação exclusiva. Portanto, se o acúmulo de bolsas virar regra ao invés de exceção, isso pode resultar na perenização dos baixos valores praticados hoje, resultantes de 10 anos de congelamento das bolsas, que acumulam defasagem de cerca de 50% em relação aos valores praticados há 10 anos atrás. Dessa maneira, a dedicação à pós-graduação pode ficar ainda mais difícil para a maior parte dos estudantes, comprometendo o funcionamento da maior parte dos programas de pós-graduação do Brasil.
Além disso, o discurso otimista inicial diz que a portaria vai permitir que a pesquisa fique mais atraente nos estados do Norte e Nordeste do país, cujas fundações de amparo à pesquisa poderão oferecer complementos para estudantes dessas regiões. No meu entender, trata-se de balela, pois as fundações de amparo à pesquisa são mais pobres que as dos estados do centro-sul do Brasil, sendo muito mais provável que essas fundações ofereçam complementos mais generosos, aumentando ainda mais as diferenças regionais, o que pode ser muito ruim.
Finalmente, a ideia de que bolsas sejam acumuladas com salários é polêmica, pois, se aplicada de forma indiscriminada, essa prática pode se transformar em subsídio a atividades econômicas e complemento salarial, ao invés de apoio à dedicação à pós-graduação. Diga-se de passagem que o modo de pós-graduação em tempo parcial sequer é aceito em vários países do mundo com sistemas de pós-graduação bem estabelecidos, como na Europa e nos Estados Unidos.
Por todos esses pontos, as consequências da Portaria 133/2023 da CAPES devem ser monitoradas atentamente por órgãos de representação, em particular a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) para denúncia e correção de desvios eventualmente observados.
https://www.gov.br/capes/pt-br/assuntos/noticias/capes-flexibiliza-norma-sobre-acumulo-de-bolsas-e-atividades-remuneradas
http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=12302
Um dilema comumente enfrentado pelo estudante de pós-graduação é o de continuar as atividades de estudo e pesquisa em modo exclusivo ou se engajar em uma outra atividade econômica. As razões para esse dilema são várias:
1- Os baixíssimos valores das bolsas de pós-graduação atualmente vigentes no Brasil;
2- As necessidades econômicas pessoais do estudante ou a necessidade de apoiar a família financeiramente;
3- As mudanças na vida do estudante ao longo do período de pós-graduação, de cerca de seis anos quando se consideram os cursos de mestrado e doutorado;
4- A frustração com o trabalho de pesquisa, o tipo de atividade acadêmica ou o relacionamento estabelecido com o orientador;
5- Ou o fato de que vários pós-graduandos encaram a pós-graduação como um período transitório, enquanto procuram uma atividade econômica mais permanente.
Seja qual for a razão, é perfeitamente legítimo que o estudante faça a opção de deixar o modo de dedicação exclusiva da pós-graduação para se dedicar a outra atividade, embora essa escolha frequentemente gere tensão com os orientadores e coordenadores da pós-graduação, o que não deveria ocorrer. Orientadores e coordenadores têm que compreender que pode ser um desfecho natural da trajetória de qualquer pós-graduando e de qualquer relacionamento profissional que se estabeleça, independentemente da instituição ou empresa considerada. Além disso, o contrato de pós-graduação não é perene nem imutável, de forma que a pós-graduação não é uma prisão, graças a Deus !!!!!
Para evitar essa tensão e estresse, os estudantes costumam esconder suas aspirações de orientadores e coordenadores, o que é eticamente contestável, em particular se o estudante assumiu responsabilidades com parceiros externos do programa e do laboratório em que trabalha. De maneira similar, os estudantes costumam prometer que continuarão a se dedicar às atividades da pós- com o mesmo afinco, o que na maioria absoluta das vezes é falso, em função dos novos compromissos assumidos com outras pessoas. Portanto, é necessário rever sempre as ações e compromissos assumidos.
Por todas essas razões, é importante que orientadores, coordenadores e estudantes entendam que esse dilema faz parte da trajetória da pós-graduação. Até por isso, esse dilema deve ser encarado sempre com compreensão, naturalidade e profissionalismo.