Encantos e Desencantos - Junior Ferreira
Canção de Mim Mesmo - Walt Whitman
Retrato - Cecília Meireles
Elegia Primeira - Cecília Meireles
Declamação de "O crepúsculo é este sossego do céu ..." de Cecília Meireles, Elegia 7.
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
AS MISÉRIAS DA ÉPOCA
Se eu soubesse que esse mundo
Estava tão corrompido
Eu tinha feito uma greve
Porém não tinha nascido
Minha mãe não me dizia
A queda da monarquia
Eu nasci, fui enganado
Pra viver neste mundo
Magro, trapilho, corcundo,
Além de tudo selado.
Assim mesmo meu avô
Quando eu pegava a chorar,
Ele dizia não chore
O tempo vai melhorar.
Eu de tolo acreditava
Por inocente esperava
Ainda me sentar num trono
Vovó para me distrair
Dizia tempo há de vir
Que dinheiro não tem dono.
O MAL E O SOFRIMENTO
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?
Leandro Gomes de Barros
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
SONETO DE FIDELIDADE
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
POEMA DOS OLHOS DA AMADA
Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.
SANTUÁRIO
Vou me confessar para lua
Diante desses Santuários
O cheiro da manhã atenua
Meu orar com canários
Diante dessa imensidão
Saber aproveitar o momento
De ser como um dente de leão
Dançando nos braços do vento
Chorar diante da beleza
Se purificar sem palavra
A lágrima rega a certeza
Somente o amor que lavra
ONDAS DA VIDA
Apegados a eternidade como vão utopia
Inventamos vidas, deuses e até mitologia
Como órfãos agonizando as voltas que dá o pião
Nos filhos moram anseios da nossa própria correção
Quando atiro um limão no mar
Temos ondas a propagar
Por quanto tempo nos peixes
Por mais que este mar tu deixes?
Por certo nossas ondas de legado
É um existir que é prolongado
Quem deixou saudades não morre
Este é a chama que a alma socorre
Uenes Vilaça
BEM VINDOS À CAVERNA
Pseudos deuses iludidos por mera sombra
Peões de carbono que a morte assombra
Mal há consenso entre o que pensa e faz
Quer ser dono do outro e nem de si é aliás
Vemos o mundo por um vidro que reflete
As mãos sujas de sangue do que se comete
O maior pecado é pensar diferente do gado
Ai de quem viu o sol e não somente sombreado!
Vi o desconforto dos porquês de uma criança
Se confrontar com a realidade sem esperança
Da nossa acomodação com um injusto sistema
E o que fazemos com a sombra deste poema?
Uenes Vilaça
FOME
Eu procurei entender
qual a receita da fome,
quais são seus ingredientes,
a origem do seu nome.
Entender também por que
falta tanto o “de comê”,
se todo mundo é igual,
chega a dar um calafrio
saber que o prato vazio
é o prato principal.
Do que é que a fome é feita
se não tem gosto nem cor
não cheira nem fede a nada
e o nada é seu sabor.
Qual o endereço dela,
se ela tá lá na favela
ou nas brenhas do sertão?
É companheira da morte
mesmo assim não é mais forte
que um pedaço de pão.
Que rainha estranha é essa
que só reina na miséria,
que entra em milhões de lares
sem sorrir, com a cara séria,
que provoca dor e medo
e sem encostar um dedo
causa em nós tantas feridas.
A maior ladra do mundo
que nesse exato segundo
roubou mais algumas vidas.
Continuei sem saber
do que é que a fome é feita,
mas vi que a desigualdade
deixa ela satisfeita.
Foi aí que eu percebi:
por isso que eu não a vi
olhei pro lugar errado
ela tá em outro canto
entendi que a dor e o pranto
eram só seu resultado.
Achei seus ingredientes
na origem da receita,
no egoísmo do homem,
na partilha que é malfeita.
E mexendo um caldeirão
eu vi a corrupção
cozinhando a tal da fome,
temperando com vaidade,
misturando com maldade
pro pobre que lhe consome.
Acrescentou na receita
notas superfaturadas,
um quilo de desemprego,
trinta verbas desviadas,
rebolou no caldeirão
vinte gramas de inflação
e trinta escolas fechadas.
Sendo assim, se a fome é feita
de tudo que é do mal,
é consertando a origem
que a gente muda o final.
Fiz uma conta, ligeiro:
se juntar todo o dinheiro
dessa tal corrupção,
mata a fome em todo canto
e ainda sobra outro tanto
pra saúde e educação.
Braulio Bessa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector
O SONHO
Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.
Clarice Lispector
RETRATO DO ARTISTA QUANDO COISA
A maior riqueza
do homem é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
Manoel de Barros
Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém.
Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.
Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol?
Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.
Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.
O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus circuitos.
Todos os rios vão para o mar, e contudo o mar não se enche; ao lugar para onde os rios vão, para ali tornam eles a correr.
Todas as coisas são trabalhosas; o homem não o pode exprimir; os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.
O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.
Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos passados, que foram antes de nós.
Já não há lembrança das coisas que precederam, e das coisas que hão de ser também delas não haverá lembrança, entre os que hão de vir depois.
Eu, o pregador, fui rei sobre Israel em Jerusalém.
E apliquei o meu coração a esquadrinhar, e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar.
Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito.
Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode calcular.
Falei eu com o meu coração, dizendo: Eis que eu me engrandeci, e sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém; e o meu coração contemplou abundantemente a sabedoria e o conhecimento.
E apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito.
Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor.
Eclesiastes 1:1-18