
Conversa com José Mourinho, atual treinador da Roma.
Esta conversa foi gravada online quando José Mourinho era o treinador do Tottenham, e, ainda que o meu som não esteja perfeito, o de Mourinho está.
"Quando falas em «deserto», por exemplo, há que perceber que existe também um «oásis». Esse «oásis» é o próximo jogo. Entras no «deserto» sem pensares que há um «oásis», mas se em vez de te agarrares a esse «oásis» optares pela perspetiva de que não passa de uma miragem ou uma continuidade do «deserto» e dele não vais sair... só sairás quando te mandarem embora. Dou-te um exemplo: no outro dia, o João Sacramento - meu assistente - e eu, tivemos uma conversa com o Christian Horner, o boss da Red Bull Racing Team. Tendo concordado em imensas coisas, houve algo em que não conseguimos chegar a um entendimento: quando eles acabam a corrida, reúnem-se todos num debriefing. Pilotos, engenheiros, os responsáveis da equipa, os mecânicos, falam o tempo que for preciso, quer seja uma hora ou três horas. No meu caso, fui aprendendo, e cheguei ao ponto em que no final do jogo a minha boca não se abre. Parabéns, um abraço, um «tapa» nas costas de quem se possa sentir mais culpado, uma cara de merda se as coisas não correram bem, um abraço maior se ganhámos, mas o debriefing, esse, não o faço.
Não chegámos a um consenso, mas o Christian dizia que, quando a corrida acaba as sensações estão mais fortes. Eu concordo com isso. Transportando para o futebol: se o jogo acabasse e se me reunisse com os meus adjuntos, os analistas e os jogadores, o departamento médico, percebíamos que as sensações estão mais frescas e que no dia seguinte já se poderia ter perdido alguma da informação fruto das emoções que já não estão tão frescas. Mas eu, enquanto líder, também sou emocional. Tenho mais controlo sobre as emoções por causa de anos de experiência, mas acho que não ia conseguir analisar um jogo imediatamente a seguir ao seu final, porque, eventual mente, não ia ser capaz de descontextualizar-me daquilo que é a alegria da vitória ou a frustração da derrota. Mesmo com toda a experiência e o controlo que fui ganhando, sinto que reagir imediatamente a um jogo poderia levar-me por caminhos que nem sempre seriam os melhores, principalmente para levar o grupo ao oásis. Essa, para mim, é a grande questão: deserto, mas com oásis! Se alguma vez sentires que há deserto sem oásis, vais morrer à sede. Temos de nos alimentar mesmo nos momentos mais difíceis. Temos de nos alimentar sempre da fé, que podes interpretar de modo religioso ou não. O próximo jogo é sempre o mais importante".