
Durante a infância, o alcoolismo do meu pai aterrorizava meus dias, juntamente com a escassez de comida. Quando eu tinha treze anos, a minha mãe separou do meu pai.
Casou logo em seguida. O que faz uma mulher casar logo em seguida a um casamento extremamente violento? Não sei.
Eu não tive tempo de respirar fundo, iniciou outro tormento, os abusos do meu padrasto. Logo no início ele demonstrou que gostava de abusar de garotas. Quando minhas amigas iam pra minha casa ele ficava passando a mão nas nádegas delas. E por várias vezes, eu acordava com ele alisando as minhas pernas.
Eu falava pra minha mãe, mas ela não acreditava em mim.
Aos 14 anos conheci o homem que idealizei, que dizia não gostar de bebidas alcoólicas e que me amava. Casei com ele muito jovem, aos 17 anos. Eu esperava encontrar no meu marido o companheirismo, a cumplicidade e a proteção que tanto precisava. Sim, eu esperava me sentir segura, já que o meu pai e a minha mãe não me ofereceram essa segurança.
Não quero me aprofundar sobre os 17 anos de casada, quando convivi com o que eu mais temia: o alcoolismo do meu marido, os estupros maritais, o desprezo, as humilhações. Nunca fiz terapia, mas hoje eu posso dizer que perdoei o meu pai, o meu padrasto, a minha mãe e o meu ex marido.
Mas falta eu me perdoar por ter viajado no carnaval de 1997. A minha cunhada, irmã do meu ex marido, me convidou para ir para uma cidade do interior pra passar o carnaval, já que eu iria ficar sozinha em casa com o meu filho, que na época tinha 1 ano e meio. O meu marido ia curtir o carnaval em outra cidade.
Eu adorava uma blusa preta que tinha a frase Noite do terror. Viajei com ela. Foi essa blusa que um sujeito usou para cobrir o rosto enquanto destruía o brilho da minha vida. Por volta das 20hs, a minha cunhada foi curtir o carnaval com o marido e os amigos. Eu fiquei na residência, assistindo tv na sala.
Eu e meu filho caímos no sono ali mesmo, meu filho dormindo por cima de mim. Eu acordei com uma pessoa passando a mão nas minhas partes íntimas. Apontando uma arma pra mim, falando pra levantar devagar pra não acordar meu filho, ameaçando atirar no menino caso isso acontecesse.
Durante todo aquele terror, eu só conseguia pensar na hipótese do meu filhinho acordar.
Não sei exatamente quanto durou o ato, que pra mim foi uma eternidade. Ao escutar o trinco da porta abrindo juntamente com as vozes do pessoal chegando, de imediato, tentei gritar alto, mas o meu choro abafou. O pessoal correu atrás do criminoso, mas não conseguiram pegá-lo.
A noite de terror não parou ali, tinha a segunda parte. Fui conduzida a uma delegacia caindo aos pedaços. Dois policiais homens me interrogaram. As perguntas foram sádicas, cheias de acusações e insinuações. Me acusaram de conhecer o abusador, de ser amante dele. Eu fui vítima de violência sexual, me sentia desolada, dilacerada e saí da delegacia pior, me sentindo culpada, suja e um lixo. Fui julgada, humilhada. Nunca pensei encontrar tanta maldade numa cidade tão pequena. Eu fico pensando se eu tivesse ficado em casa, talvez não tivesse acontecido nada, ou talvez sim. Eu nunca saberei a resposta.
Nunca mais voltei àquela cidade, mas até hoje lembro do cheiro podre que ela exalava, lembro dos olhares maldosos e das pessoas antipáticas. Naquele momento, eu precisava de apoio. Nenhuma mão segurou a minha, nem a do meu marido, que provavelmente também concordava com os policiais, de que o abusador era meu amante. Até hoje, tento perdoar aquela garota de 19 anos que inocentemente foi passar o pior carnaval da vida dela e da minha.
Lembrando que o Podcast Sozinha de si é um projeto de acolhimento através de histórias anônimas, para cuidar de todas de uma vez!
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