
Quando a porta da sala se fecha e as luzes diminuem, a aula começa como quem acende uma fogueira. As sombras dançam nas paredes — slides, gráficos, recortes de notícias — e por um instante todos nós nos confundimos com as formas que projetamos. É nesse cenário comum, tão contemporâneo, que a velha história de Platão volta a ganhar corpo. No vídeo “O Lado Sombrio da Educação (Que Ninguém Te Contou) — Platão”, a narrativa propõe que educar é mais do que despejar conteúdos: é girar a alma inteira, reorientar o olhar, fazer o estudante virar o rosto em direção à luz. Mas, como toda fogueira, a mesma chama que aquece também pode queimar. O filme nos conduz por essa tensão: a educação como iluminação e, ao mesmo tempo, como engenharia social.
A jornada começa na caverna. Platão não descreve apenas uma metáfora elegante; ele nos entrega um mapa de transformação. Aprender, nessa chave, é um verbo que exige o corpo todo: os olhos precisam acostumar-se à claridade, a mente precisa suportar o desconforto de ver aquilo que não queria ver, e o coração precisa admitir que a familiaridade das sombras não é o mesmo que a verdade. Em linguagem de sala de aula, significa que decorar fórmulas não basta: a missão é elevar a consciência, ligar pontos, ver o que sustenta os fenômenos. Essa ambição é bela e necessária. Sem ela, a educação se torna um teatro repetitivo; com ela, vira um ofício de libertação. O vídeo nos lembra que “ensinar a alma a voltar-se para a luz” exige tempo, método e coragem — inclusive a coragem de duvidar de si mesmo.
Ao lado do ideal, porém, Platão ergue um edifício muito específico de formação. O famoso “programa de seleção” não era um convite democrático para todos escalarem a mesma montanha, mas um funil rigoroso, desenhado para encontrar poucos que, ao final, governariam. Primeiro, moldam-se as emoções por meio de mitos e música — e aqui a palavra “censura” aparece sem rodeios, porque quem define as histórias define o horizonte do desejável. Depois, disciplina-se o corpo pela ginástica, não para medalhas, mas para que o corpo obedeça à razão. Em seguida, treina-se o pensamento com matemática, essa linguagem que aponta para o permanente, para além dos caprichos dos sentidos. Por fim, no cume, a dialética, a arte perigosa de questionar tudo em busca do Bem. É irresistível notar o paradoxo: a etapa mais alta, a do questionamento livre, era reservada a pouquíssimos. O que é libertação para uns se converte em contenção para muitos. O vídeo acerta o tom ao mostrar que a mesma escada que leva à luz é vigiada por porteiros zelosos.
É então que a narrativa mergulha no que chama de lado sombrio. Não se trata de pintar Platão como vilão, mas de encarar a arquitetura política embutida no seu projeto. A “mentira nobre” — o mito dos metais — não era um capricho literário; era um mecanismo de estabilidade social. Se todos acreditam que nasceram com uma liga diferente na alma, aceitaremos melhor que uns governem e outros obedeçam. Some-se a isso o controle da imaginação pública — a triagem do que pode ou não pode ser cantado e lido — e um arranjo de vida para a elite guardiã sem propriedade nem família, dedicada ao Estado. O resultado é uma educação que forma consciências, sim, mas as forma dentro de moldes bem apertados. Para muitos, isso soa como prevenção contra a corrupção e a demagogia. Para outros, é o germe do paternalismo: em nome do Bem, o Estado decide quem pode perguntar e quem deve calar.
A crítica ganha atualidade quando o vídeo aproxima essa herança do nosso sistema moderno. A promessa contemporânea — “estude, tire um diploma, e será livre” — funciona como nova narrativa fundadora. Não é falsa no sentido trivial, porque a educação de fato amplia horizontes, renda e voz; mas é incompleta quando é vendida como único bilhete para a dignidade. As provas, vestibulares e concursos, por sua vez, desempenham o papel de portais que filtram, legitimam e organizam o acesso ao poder econômico e simbólico.