
Declamação do poema "Vi Deus ontem no ônibus" de Luana Galoni.
Vi Deus ontem no ônibus.
Ele entrou descalço estava vendendo bala.
Achei estranho Deus aparecer assim, nem um chinelo ele tinha.
Estava meio sujo o cabelo então, nem se fala.
Agora vê, logo Deus, que semana passada vi cantando num show, todo aprumado.
Que anteontem estava dançando com saia rodada e mês passado estava lá na cadeira da universidade sentado.
Deus era preto mês passado e estava cursando psicologia.
Achei afrontoso! Típico de Deus, que hoje mesmo me apareceu no espelho quando eu chorava pela manhã.
E o que eu acho mais gozado, veja bem, é que Deus meio sem forma meio sem contorno, cabe em mim, cabe no outro e ainda cabe num áudio de 3min que uma amiga de outro estado me mandou.
Ele cabe numa sinfonia de orquestra, numa sanfona bem afinada e nos berros da minha mãe.
Eu vejo Deus em tudo. E se não vejo é porque não enxergo. Se não ouço é porque não tenho ouvido.
Se não sinto é porque morri, mas acho até que consigo ver Deus depois de morto.
Até depois de vivo.
Até depois que ele desceu do ônibus sem vender nenhuma bala e me deu um sorriso.
Queria entender essa coisa do Espírito, de ser muitos, de ser um, dois e ninguém.
De transcender o tempo e de ser, ao mesmo tempo, vendedor de bala, meu espelho e a mulher com saia rodada.
E de todos esses devaneios que escrevi enquanto o ônibus Deus dirigia, pensa só que louco seria.
Ah, bixo! Que revolução se daria se, por surto ou poesia, a gente finalmente, entendesse que Deus mora em mim e também mora no outro.
(Luana Galoni)