A QUESTÃO DO TRÁGICO EM NIETZSCHE A noção de trágico parece sempre estar associada às disposições afetivas da ordem da experiência de angústia, de solidão, de morte ou de desespero pela falta ou perda da unidade como princípio do mundo, da vida. Como exemplos, o sentido cético de Michel Eyquem de Montaigne e Blaise Pascal, o sentido religioso e moral de Sören Aabye Kierkegaard ou mesmo o da resignação e negação de Arthur Schopenhauer, os quais têm em comum a perspectiva pessimista da vida. Em outros palavras, por detrás destas perspectivas pessimistas, compostas de crenças, valores e doutrinas morais destinadas a compreender o sentido da existência, o trágico é visto como negação da vida em função da incapacidade humana de enfrentar a dor e o sofrimento como partes integrantes da vida. Em oposição a todas interpretações pessimistas desenvolvidas ao longo da tradição filosófica ocidental, Nietzsche, além de denunciar as distorções de sentido, propõe uma inversão do sentido e do valor do sofrimento que leva a ver a dor e a perda como poder, como estímulo e impulso para afirmação da vida. Esta nova interpretação nietzscheana da dimensão do trágico como afirmação da existência implica, portanto, na aceitação do próprio sofrimento como força, como condição de possibilidade de transfiguração da vida. Aliás, em sua obra autobiográfica, Ecce homo, de 1888, Nietzsche escreve a respeito de si mesmo: “Tenho o direito de considerar-me o primeiro filósofo trágico” e, referindo-se à especificidade de sua experiência de pensamento, acrescenta ele: “o mais extremo oposto e antípoda de um filósofo pessimista: antes de mim não há essa transposição do dionisíaco em um pathos filosófico: falta a sabedoria trágica.”1