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Por Hilquias Scardua
Eu perdi a hora, o exato momento em que eles entraram e tomaram a banca, sentaram no trono, revestiram-se de coroa, dos trajes e alfaias. Perdi a festa quando as danças ganharam novos gestos e a música um ritmo cacofônico. Ainda é muito estranho lidar com o monólogo impositivo dos senhores da verdade. O diálogo ficou silenciado; uma parte não conseguiu dizer o que veio dizer; então o monólogo continuou, servido de arrogância e por um ato de perjúrio, traindo a condição humana e o progresso.
Perdemos a capacidade de colocar à mesa o pensamento para ser assistido, apreciado e compartilhado, quiçá permiti-lo ao nobre avanço dialético. Em meio a imposição, surge uma reflexão sobre a laicidade, sobre a liberdade de pensamento, sobre a necessidade de respeitar o espaço do outro na construção das verdades pessoais.
Eles querem possuir, conquistar e escravizar o pensamento alheio com as "verdades irrefutáveis" da voz "divina".
A laicidade, entendida como a separação entre o poder religioso e o poder político, tem como princípio o respeito à diversidade de opinião e a garantia da liberdade de expressão de cada indivíduo e de sua crença. No entanto, mesmo nas sociedades laicas, percebe-se a persistência de imposições disfarçadas, muitas vezes sutis, que tentam moldar a visão de mundo de acordo com determinadas narrativas.
É bem comum ouvir inúmeras vertentes religiosas imporem suas tradições de fé como o método mais eficaz e soberano sobre a natureza humana e Divina. Eco: “Eles querem possuir, conquistar e escravizar o pensamento alheio com as 'verdades irrefutáveis' da voz 'divina'”.
As experiências e a diversidade, tanto quanto o caminho extenso das culturas religiosas, mesmo que umas e outras se encontrem em certa camada e linha histórica. Recentemente, vi grupos religiosos atacando uns aos outros de forma explícita e naturalizada. Vertentes de matriz africana são atacadas por milícias no Rio de Janeiro, outros são caçados por políticos... São questões presentes e resumidas, para não precisarmos entrar no absurdo dos fatos. A briga animosa da política, da fé, da corrupção e da ganância.
Nesse turbilhão de interesses conflitantes, a laicidade se torna um refúgio necessário. Ela não é apenas uma separação formal entre Estado e religião, mas também uma garantia de que a fé seja uma escolha pessoal, livre de imposições e manipulações.
A busca pela verdade, muitas vezes, é desviada quando a religião se torna um instrumento de poder e controle. A laicidade surge como um chamado à reflexão, convidando-nos a resgatar a essência espiritual, afastando-nos das artimanhas do impostor que distorce a verdade em prol de interesses egoístas.
Os bastidores das religiões, na banalização da fé e dos cultos sagrados, evocam sem reservas inúmeros charlatões e tendenciosas mazelas quanto ao Sagrado Ofício, até descredibilizar alguns grupos e instituições. Um descrédito generalizado, desviando o foco do verdadeiro propósito espiritual permitindo que os interesses Profanos e ganhos pessoais ganhem cada vez mais espaço na sacralidade.
São confidentes, porém sutis afirmações. Considerando a frase do pensador Martin Heidegger: "Entre o pensamento e a poesia há um parentesco porque ambos usam o serviço da linguagem e progridem com ela. Contudo, entre os dois persiste ao mesmo tempo um abismo profundo, pois moram em cumes separados". Aqui está a ponte, caro leitor.
Assim, o pensamento serve aos ânimos da fé cega, do fanatismo religioso, da falta de cultura e de conhecimento. As guerras por detrás disso são as nossas próprias guerras, vigoradas pelas verdades absolutas de nossa ignorância. É o tato áspero que impossibilita sentir o calor da pele vizinha; com essa mesma aspereza nos relacionamos e ousamos dizer que respeitamos.
Fomos convidados a perder a hora e chegamos ao final da festa. Mas cá estamos, ouvindo a música nas piores frequências e cientes do monólogo imperativo e falacioso de quem tem a palavra na boca. Um convite à reflexão sobre os valores e culturas, a tradição e evolução da fé.
Hilquias Scardua
Cavaleiro da Liberdade