
Tudo começa com um sumiço. Lila, a amiga genial, desaparece sem deixar vestígios — não apenas fisicamente, mas simbolicamente. Ela apaga as próprias fotos, esvazia os armários, some dos registros da própria vida. Esse é o gesto inaugural do livro e, talvez, o mais radical: o desaparecimento como narrativa.
No prólogo de A Amiga Genial, Elena Greco, já adulta, decide escrever sua história com Lila como forma de resistir ao apagamento. A motivação não é saudade, nem revolta — é a recusa em aceitar que a amiga possa simplesmente sumir. Escrever torna-se então um ato de contra-desaparecimento, um modo de manter viva uma presença que se dissolveu.
É com essa cena marcante que Elena Ferrante nos apresenta o fio condutor da Tetralogia Napolitana: a amizade entre duas mulheres marcadas pela pobreza, pela violência e por uma inteligência feroz que as coloca em conflito com o mundo — e entre si. A narrativa mergulha em Nápoles dos anos 1950, um bairro onde as crianças crescem cedo demais e onde a vida é sempre atravessada por ameaças, desde a infância.
Neste episódio, começo pela origem da trama: o bairro, os primeiros passos da amizade, o desejo de escrever, o gesto de desaparecer. Porque talvez A Amiga Genial não seja apenas uma história de duas meninas. Talvez seja, sobretudo, um grande ensaio sobre memória, apagamento e sobrevivência.